segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um barzinho e uma eleição


“Cara, preciso entrevistar alguém sobre os bastidores da política, tem como você falar comigo um pouco sobre?”
“Claro rapaz! Sem problemas! E é uma honra que você tenha pensado em mim pra isso.”
“Na verdade, você era minha terceira opção, mas as duas primeiras furaram.”
“Hahahahahaha!!!! Típico. Mas então, quando e onde você tava pensando?”
“Olha, eu tava pensando em sábado ali entre o final da tarde, começo da noite, num bar meio copo sujo que tem ali atrás da USP, que me deram um toque que é maior frequentado por prostitutas e bêbados.”
“Perfeito. Te encontro lá no bar então.”
“Fechô.”

É isso aí. Nada de lanchonete, sala acústica, Fran's Café ou qualquer desses lugares que se procura paz e tranquilidade com o intuito de “ai, não quero estragar minha sonora.” Jornalismo se faz na rua, no bar, principalmente onde a cerveja é barata e ninguém fica te olhando feio se você passa mais de meia-hora lá dentro sem comprar nada. E, apesar do preconceito quanto a esse tipo de atitude, mesmo entre os próprios colegas de profissão, onde muitos tem o ego tão inflado e a empáfia tão lapidada que chegam a ser achar mais do que homens, deuses, não somente “meros mortais”, tentando esconder de todos – talvez até de si mesmos – sua condição de subcidadão de classe média que estuda durante anos e se orgulha de ter um texto “bem trabalhado” - ainda que seja difícil definir exatamente o que seja essa classificação, já que na enorme parte das vezes esse tal trabalho nada mais é do que preencher com informações atuais uma forma pré-definida e sempre repetida – pra trabalhar bem mais e ganhar bem menos que escrivão de prefeitura de cidade pequena. Mas essa é a vida que a gente escolhe, e tem que se virar nela – por isso mesmo que não abro mão do trabalho old school, dos copos sujos da vida, onde a cerveja é aguada mas é barata, independente das baratas. E tudo fica mais fácil quando o entrevistado é um conhecido e também concorda com isso; Henrique Cézar – Help, Presidente – também é outro desses aspirantes de jornalista que não se iludem com o status da profissão, sabendo que estamos muito mais pra pedintes do que high society – a não ser, é claro, altos de doces e balinhas e tapinhas. Mas não éramos da alta – nem estávamos altos – e fomos prum verdadeiro buteco.
Três elementos definem a qualidade de um buteco – iluminação, ambiente e atendimento. Lugar era escuro, ambiente tocava uma rádio que mistura pagode, sertanejo universitário e música de festa de formatura, e quem nos atendeu era uma garçonete que mais parecia o Ronaldinho Gaúcho com problemas dentários, então, como explica a teoria, estávamos bem servidos.
“Que cervejas vocês tem aqui?”
“Ah, essas que tá aí ó. O preço tá aí do lado.”
“Então me vê uma Antarctica.”
“Ih moço, não tem Antarctica. Só Brahma e Skol.”
“Então desce uma Brahma.”
“Ah, mas eu cabei de lembrar. Cabou a Brahma ontem. Só tem Skol.”
“Então vai Skol mesmo.”
Ela vira e vai buscar o pedido. Eu começo a rir. Não preciso contar pra ela que fomos nós que havíamos acabado com a Brahma na noite anterior, numa daquelas noites que você sai pra tomar uma cervejinha pra segurar o calor e volta pra casa vinte garrafas mais gordo e cinquenta conto mais pobre, apenas pra tomar uma banho e subir pra aula – ou ir trabalhar – em coisa de minutos. Mas rei morto rei posto, missão dada missão cumprida e copo cheio cerveja na mesa e gravador ligado; hora de trabalhar.
“Moço, desculpa atrapalhar vocês dois, mas você não conseguem arrombar um cadeado pra mim não?”
A gente olha pra cara da Galúcho, sem entender nada.
“É que o cara que tem a chave não vem hoje, e é maior trabalho ter que dar a volta pelos fundos pra ir na cozinha. Vocês não conseguem arrombar o cadeado pra mim, fazendo favor?”
É por esse tipo de coisa que eu adoro trabalhar em buteco.
Me levanto meio preguiçoso, deixando gravador ligado e cerveja gelada em cima da mesa, com maior medo de que alguém passando na rua roube minha cerveja. Pergunto se tem alguma ferramenta, Galúcho me oferece uma marreta e uma pá de enxada; a coisa fica cada vez melhor. Chego pra ver o tal do cadeado: parrudo demais pra quebrar só na marreta, pequeno demais pra conseguir usar a enxada de alavanca. Começo a olhar em volta, procurando algo pra ajudar na tarefa, e tentando me lembrar de tudo que aprendi em anos de lockpicking com Fallout, Elder Scrolls e Sherlock Holmes. E então algo me chama a atenção: um araminho de ferro pontiagudo, que os garçons usam para colocar os pedidos anotados; era só enfiar aquilo no buraco do cadeado, dar umas duas ou três marretadas e logo quebraria a trava e forçaria o cadeado a abrir. Batata! Cinco minutos depois voltava para a mesa continuar com minha entrevista e tomar minha gelada, deixando com a Galúcho uma marreta, uma pá de enxada, um arame de pedidos todo retorcido e um cadeado intacto mas que nunca mais iria abrir com sua chave, deixando claro que a escolha do videogame em prol dos trabalhos braçais tinha fundamento.
Mas, enquanto o mundo caia lá fora, dentro a cerveja descia e escondia a minha total falta de preparação para uma entrevista com foco político, onde eu não tinha estudado nada e nem preparado um roteiro a ser seguido, esperando que as respostas de meu entrevistado dessem base para novas perguntas, o que, no fim das contas, convinha com minha formação de jornalista esportivo que não assiste jogo, crítico literário que tem raiva dos clássicos e resenhista de filmes que só vai no cinema pra ver filme do Rambo e dorme de babar quando alguém coloca algo do Bergman; seguindo essa lógica, ser o cara que justifica o voto é um bom passo para virar também jornalista político. Afinal, fazer do migué uma arte é algo que nem todo mundo tem coragem.
Mas o bom migué é pra poucos e, incrivelmente, a entrevista ficou legal e muito mais longa do que eu esperava, revelando um jovem com tantas histórias e opinião bem formada que nem parece que tem apenas dezenove anos. E vocês podem conferi-la aqui mesmo.


Entrevista Henrique Cézar - editada by Rafael Rodrigues 116

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