“Cara, preciso
entrevistar alguém sobre os bastidores da política, tem como você
falar comigo um pouco sobre?”
“Claro rapaz! Sem
problemas! E é uma honra que você tenha pensado em mim pra isso.”
“Na verdade, você
era minha terceira opção, mas as duas primeiras furaram.”
“Hahahahahaha!!!!
Típico. Mas então, quando e onde você tava pensando?”
“Olha, eu tava
pensando em sábado ali entre o final da tarde, começo da noite, num
bar meio copo sujo que tem ali atrás da USP, que me deram um toque
que é maior frequentado por prostitutas e bêbados.”
“Perfeito. Te
encontro lá no bar então.”
“Fechô.”
É isso aí. Nada de
lanchonete, sala acústica, Fran's Café ou
qualquer desses lugares que se procura paz e tranquilidade com o
intuito de “ai, não quero estragar minha sonora.” Jornalismo se
faz na rua, no bar, principalmente onde a cerveja é barata e ninguém
fica te olhando feio se você passa mais de meia-hora lá dentro sem
comprar nada. E, apesar do preconceito quanto a esse tipo de atitude,
mesmo entre os próprios colegas de profissão, onde muitos tem o ego
tão inflado e a empáfia tão lapidada que chegam a ser achar mais
do que homens, deuses, não somente “meros mortais”, tentando
esconder de todos – talvez até de si mesmos – sua condição de
subcidadão de classe média que estuda durante anos e se orgulha de
ter um texto “bem trabalhado” - ainda que seja difícil definir
exatamente o que seja essa classificação, já que na enorme parte
das vezes esse tal trabalho nada mais é do que preencher com
informações atuais uma forma pré-definida e sempre repetida –
pra trabalhar bem mais e ganhar bem menos que escrivão de prefeitura
de cidade pequena. Mas essa é a vida que a gente escolhe, e tem que
se virar nela – por isso mesmo que não abro mão do trabalho old
school, dos copos sujos da vida,
onde a cerveja é aguada mas é barata, independente das baratas. E
tudo fica mais fácil quando o entrevistado é um conhecido e também
concorda com isso; Henrique Cézar – Help, Presidente – também é
outro desses aspirantes de jornalista que não se iludem com o status
da profissão, sabendo que estamos muito mais pra pedintes do que
high society – a não
ser, é claro, altos de doces e balinhas e tapinhas. Mas não éramos
da alta – nem estávamos altos – e fomos prum verdadeiro
buteco.
Três
elementos definem a qualidade de um buteco – iluminação, ambiente
e atendimento. Lugar era escuro, ambiente tocava uma rádio que
mistura pagode, sertanejo universitário e música de festa de
formatura, e quem nos atendeu era uma garçonete que mais parecia o
Ronaldinho Gaúcho com problemas dentários, então, como explica a
teoria, estávamos bem servidos.
“Que
cervejas vocês tem aqui?”
“Ah,
essas que tá aí ó. O preço tá aí do lado.”
“Então
me vê uma Antarctica.”
“Ih
moço, não tem Antarctica. Só Brahma e Skol.”
“Então
desce uma Brahma.”
“Ah,
mas eu cabei de lembrar. Cabou a Brahma ontem. Só tem Skol.”
“Então
vai Skol mesmo.”
Ela
vira e vai buscar o pedido. Eu começo a rir. Não preciso contar pra
ela que fomos nós que havíamos acabado com a Brahma na noite
anterior, numa daquelas noites que você sai pra tomar uma cervejinha
pra segurar o calor e volta pra casa vinte garrafas mais gordo e
cinquenta conto mais pobre, apenas pra tomar uma banho e subir pra
aula – ou ir trabalhar – em coisa de minutos. Mas rei morto rei
posto, missão dada missão cumprida e copo cheio cerveja na mesa e
gravador ligado; hora de trabalhar.
“Moço,
desculpa atrapalhar vocês dois, mas você não conseguem arrombar um
cadeado pra mim não?”
A
gente olha pra cara da Galúcho, sem entender nada.
“É
que o cara que tem a chave não vem hoje, e é maior trabalho ter que
dar a volta pelos fundos pra ir na cozinha. Vocês não conseguem
arrombar o cadeado pra mim, fazendo favor?”
É
por esse tipo de coisa que eu adoro trabalhar em buteco.
Me
levanto meio preguiçoso, deixando gravador ligado e cerveja gelada
em cima da mesa, com maior medo de que alguém passando na rua roube
minha cerveja. Pergunto se tem alguma ferramenta, Galúcho me oferece
uma marreta e uma pá de enxada; a coisa fica cada vez melhor. Chego
pra ver o tal do cadeado: parrudo demais pra quebrar só na marreta,
pequeno demais pra conseguir usar a enxada de alavanca. Começo a
olhar em volta, procurando algo pra ajudar na tarefa, e tentando me
lembrar de tudo que aprendi em anos de lockpicking com
Fallout, Elder Scrolls e Sherlock Holmes. E então algo me chama a
atenção: um araminho de ferro pontiagudo, que os garçons usam para
colocar os pedidos anotados; era só enfiar aquilo no buraco do
cadeado, dar umas duas ou três marretadas e logo quebraria a trava e
forçaria o cadeado a abrir. Batata! Cinco minutos depois voltava
para a mesa continuar com minha entrevista e tomar minha gelada,
deixando com a Galúcho uma marreta, uma pá de enxada, um arame de
pedidos todo retorcido e um cadeado intacto mas que nunca mais iria
abrir com sua chave, deixando claro que a escolha do videogame em
prol dos trabalhos braçais tinha fundamento.
Mas,
enquanto o mundo caia lá fora, dentro a cerveja descia e escondia a
minha total falta de preparação para uma entrevista com foco
político, onde eu não tinha estudado nada e nem preparado um
roteiro a ser seguido, esperando que as respostas de meu entrevistado
dessem base para novas perguntas, o que, no fim das contas, convinha
com minha formação de jornalista esportivo que não assiste jogo,
crítico literário que tem raiva dos clássicos e resenhista de
filmes que só vai no cinema pra ver filme do Rambo e dorme de babar
quando alguém coloca algo do Bergman; seguindo essa lógica, ser o
cara que justifica o voto é um bom passo para virar também
jornalista político. Afinal, fazer do migué uma arte é algo que
nem todo mundo tem coragem.
Mas
o bom migué é pra poucos e, incrivelmente, a entrevista ficou legal
e muito mais longa do que eu esperava, revelando um jovem com tantas
histórias e opinião bem formada que nem parece que tem apenas
dezenove anos. E vocês podem conferi-la aqui mesmo.
Entrevista Henrique Cézar - editada by Rafael Rodrigues 116
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