quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O pó da estrada

Home I'll never be, home I'll never be...

Sobem as letras brancas num fundo preto. Créditos. Fim do filme.

Uma história sobre isso, POR FAVOR!

Um sorriso amarelo, sem graça. Um aceno positivo de cabeça. OK. Falar o que né?

Reunião em frente à sala. Todos se aglomeram em volta pra pegar detalhes, comentários. Pérolas de sabedoria. Aos porcos? Do porco. “Sério que os personagens são pessoas reais?”; “Sério que um daqueles drogados virou reitor de universidade?”; “Sério que aquela bicha é um dos maiores poetas da história dos EUA?”; “Nossa, como você sabe tudo isso?”

Vou a pé, até mais.

Uma bela caminhada. Quase quatro quilômetros. Tempo o suficiente pra retomar o controle. Espero.

O filme trazia lembranças. Lembranças de um tempo...que eu ainda me interessava. Lembranças de uma época em que era muito simples sair bêbado a 120km/h pelas avenidas da cidade, costurando o trânsito , fechando ônibus e entrar derrapando nas esquinas, o som no talo quase estourando os tímpanos dos ocupantes com as notas de algum clássico do Iron Maiden; tempo de sentar nas calçadas às 3 da madrugada, abrir uma garrafa de uísque barato e ficar até o nascer do sol discutindo poesia. Tempo de baseados, carreiras e o vômito feliz da ressaca no dia seguinte.

Duras lembranças.

Olho para minha mão: caminhava com dois dedos, indicador e médio, em riste, como que segurando um cigarro.

Um cigarro agora ia bem.

Mas essa não era mais a vida. Sem maços de cigarro no bolso. Sem garrafas de bebida na mochila. Sem papelotes no tênis. Era uma nova vida, banal e patética, de geladeiras cheias de água e frango, e uma eventual pizza com Coca-Cola nos sábados. Tudo muito clichê.

E não mais o clichê beatnik.

Lembro também da sala durante o filme: as conversinhas paralelas, os comentários moralizantes, as risadas fora de hora.

LEVEM SUA MORAL PARA FORA DAQUI!

O grito que se perde em pensamentos antes que possa dominar a garganta.

Lembro de como estou tenso a cada cena, enquanto todos fazem piadas. De como ainda estou tenso; de como não tenho um cigarro.

E percebo de como essas pessoas nunca vão entender a tristeza daquela história; afinal, nenhuma delas é aquele raro indivíduo que já nasceu perdido. Elas nunca saberão o que é não se sentir em casa, em lugar nenhum. O que é ver toda sua certeza à vida se desmanchar defronte aos olhos. O que é não conseguir encontrar a felicidade, a salvação, um motivo de existência, nem mesmo nas drogas.

Nunca saberão de como, apesar de todo o sexo, risos e loucuras, aquelas pessoas são miseráveis. Aquela história, a mais triste tragédia de nossos tempos.

E as invejo por isso.

Mas, mesmo assim, ainda queria um cigarro.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Domingo

Domingo. Dia de sol, de cerveja, de juntar a galera pra fazer um churrasco e curtir um sambinha.
Não para um jornalista, essa criatura estranha que não faz a mínima ideia do significado da palavra “folga”. Assim como desconhece a expressão “acordar cedo”.
O despertador toca às dez. Desligo ele às onze. Levanto da cama apenas meio-dia. Tenho que encontrar dali uma hora outro colega jornalista, o Salgado. Matéria no domingo. Ninguém merece.
Chego dez minutos atrasado. Ninguém. Fico olhando o celular a cada dez segundos para checar uma impossível mensagem, já que ele não tem meu número. Para duas pessoas que estudam comunicação, é incrível como a nossa é falha.
Ele finalmente chega, praticamente no horário do ônibus. A primeira coisa que diz ao me cumprimentar é “cara, como que o Thompson aguentava?” Sei lá. O estranho é que não estou nem um pouco surpreso. Afinal, somos jornalistas, acho. Mal nos cumprimentamos e corremos para o ponto, o ônibus já descendo a avenida. Entramos e começamos a revirar os bolsos: dez centavos, cinco centavos, cinquenta centavos...esvazio a carteira, mais dez centavos perdido. Reviramos a bolsa e achamos mais algumas moedas. Fazer vaquinha pra pagar buzão, isso é jornalismo!
Falo ao motorista que quero descer na hípica. Um senhor fala que vai descer lá também. O acompanhamos. Chegamos no local quase uma hora antes do combinado. Precisamos procurar pelo Pedro, responsável pelo treino do time de rugby. Uma volta pelo lugar: feira de agronegócio, exposição de orquídeas, cocô de cavalo...mas nada parecido com um treino de rugby.
Ainda era cedo, fomos almoçar. Quinzão no “coma à vontade”. Comemos. Repetimos. Repetimos de novo. Repetimos ainda mais um vez. A dona do local começou a olhar torta pra gente. Repetimos uma última vez e fomos embora. Não que a comida estivesse particularmente deliciosa, mas aquela era a primeira vez na semana em que ambos se deparavam com um bom almoço: arroz, feijão, bisteca, couve...comida DE VERDADE! Não aquele miojo feito às pressas apenas para ter algo pra forrar o estômago, ou aquela coxinha que é devorada sem nem sentir o gosto direito enquanto se termina de digitar uma matéria que já está com o deadline vencido. Isso é jornalismo!
Nosso contato tinha dito que o treino começava às três. Mais uma volta pelo local. Nada. Dez minutos. Nada. Vinte minutos. Nada. Meia hora. Nada. Quarenta minutos e desistimos , já pensando em outra matéria para ser feita até o dia seguinte. Na rua nos deparamos com uma placa que indica “centro hípico” na direção oposta de onde estamos. Fomos até o tal local. Sem movimento. Ao longe, vemos uma garota bonita se exercitando...não deve ser o treino de rugby...ela começa a levantar um pneu de caminhão...só pode ser o treino de rugby.
O resto não interessa. Falamos com as pessoas, fizemos perguntas, ouvimos respostas. elas nos agradeceram por fazermos um trabalho que preferiríamos não ter feito. A mesma coisa de sempre. Não vale entrar em detalhes sobre isso.
Porque, às vezes, a jornada é mais interessante do que o fim dela. E isso é jornalismo.

domingo, 26 de agosto de 2012

E quando se for... Vai fazer falta pra você?

Por Diego Gomes*


Copos cheios e motivos quase vazios; Uma festa na terça e outra na quinta. Ir varado bêbado para a aula de sábado, ainda com uma tatuagem no pescoço meio borrada, com os olhos vermelhos quase fechando, e com o copo cambaleando ainda querendo mais. Dormir o dia todo e acordar com um amigo te ligando para ir beber mais. O álcool com toda certeza constrói um grande universitário. Quem nunca apresentou bêbado um seminário ainda desconhece o significado real da palavra “superação”.
Um chinelo remendado, uma camiseta amassada e furada, uma calça jeans suja e rerreutilizada; As palavras “moda” e “universitário” não se encaixam na mesma frase. Ah, como é bom não se preocupar com a aparência. Em um mundo onde você é o que você tem, ou o que pelo menos parece ter, poder não se preocupar com a sua aparência é uma sensação maravilhosa. Ninguém te julga, ninguém gosta mais ou menos de você por isso, ninguém nem ao menos nota que você esta usando a mesma camiseta há duas semanas seguidas. É, disso eu vou sentir saudade. Mas saudade mesmo eu vou sentir dos “não amigos” que fiz. Dos amigos que fiz não vou precisar sentir saudade, pois cada um deles eu ainda quero em minha vida quando tudo isso acabar.
Beijos com sabor de chiclete, com sabor de cigarro, e com sabor de cerveja; Disso também vou sentir falta. Tantas festas, tantas luzes, tantas bocas... Beijos ardentes, beijos molhados, beijos amargos, beijos sem paixão! Beijos sem culpa, sem pudor, e sem amor... É, disso eu também vou sentir falta.
As paixões que tive, as paixões que vivi, e também aquelas que não consegui; Essas também vão me fazer falta quando eu estiver sentado na mesa da redação e estiver contando ao vizinho sobre minha vida. Na faculdade muitas mulheres passaram e ainda passarão por meu coração. Quero me lembrar de todas elas, para quando eu for velho poder olhar para traz e dizer: - Eu amei! Ainda que sejam vadios amores de faculdade, ainda que sejam amores carnais e quase sem sentimentos... Mas eu amei.
E o que você vai fazer quando estiver velho e rabugento, e a saudade apertar? Lembrar da falta que faz os anos de faculdade com certeza.
É... Acho que vai fazer falta quando se for.



*Diego Gomes é estudante de jornalismo na UNESP-Bauru e, assim como tantos outros, também tem problemas com vidas cheias e copos vazios.

sábado, 25 de agosto de 2012

A “revolução” dos biXos


Vivemos num mundo de instituições. Não só instituições físicas, mas espirituais, ideais, morais. Mundo de valores institucionais em constante mudança; bancos tomam o lugar inabalável do casamento, e recebem ajuda de todos os deuses das cifras públicas estatais para que o “até que a morte os separe” não venha acontecer nessa vida; a instituição de família já não é tão importante quanto a de capital familiar; pessoas que já não sabem mais o que fazer para instituir lares, que se tornam cada vez mais parecidos com prisões, mantendo “cidadãos de bem” encurralados em suas próprias celas, amedrontados cada vez mais com a vida que continua a seguir do lado de fora; a instituição de intuições baseadas em estatísticas vomitadas diariamente por jornais que querem apenas nos mostrar a “verdade” enxergada através das verdinhas.
Entre tantas falidas e em processo de decomposição, temos também a instituição intelectual, que assume variadas formas; o “cala a boca, senta e desenha” do jardim de infância, onde aprendemos que todo o padrão de arte se concentra na busca de novos Picassos e Dalís, que são carinhosamente cedidos ao lixo ao término do período; o “fica quieto e estude” que se é ouvido durante nove longos anos para que podemos finalmente chegar na fase final do “fica quieto que isso cai no vestibular”. Ah, o vestibular! Fase final da nossa instituição intelectual, o casebre dourado do pensamento, o formador definitivo do profissional sem-graça! O suprassumo da ignorância fundamentada! O lugar em que, finalmente, depois de tantos anos, podemos travestir nossos egos com uma manta de papel “diploma”, que nos ensina que a idiotice pode ser totalmente aniquilada com uma simples quinquilharia de parede. A instituição máxima da intelectualidade alheia!
E ainda dentro desta existem várias instituições internas; a mais socialmente importante também a mais intelectualmente desprezível – ou vice-versa. A instituição das festas. Apenas quem vive no ambiente universitário sabe o quanto as festas são importantes; deve-se frequentá-las, mesmo que não se goste de álcool, de música ruim, ou de pessoas, já que são esses três elementos que podem ser encontrados em profusão em qualquer uma delas. Não importa o tema: “100 anos de Jamaica”, “Mamãe Quero Ser Gay”, “1001 Noites na Bahia”; depois de certas horas e certo grau alcoólico, tudo vira um baile funk de classe média, num “libera geral” em que as pessoas dançam as mesmas músicas, “dão os mesmos bafos”, e contam as mesmas histórias “vergonhosas” no dia seguinte. Toda semana. A mesma coisa. E você tem que ir. Mesmo que não goste; afinal, quem não vai em festa é “esnobe”, “antissocial”, “não gosta dos colegas de curso”; e se eu for todas essas coisas mesmo? É contra a lei por acaso?
E é. Contra a lei da convivência social na universidade. Não vá em festas e você começa a ser ignorado, pessoas passam ao seu lado do corredor e fingem que não te conhecem. Lógico que esse problema não existe se você for uma garota de rosto bonito, peitos grandes e/ou bumbum empinado; estou falando de pessoas que sabem o que é rejeição social. E se você não possui nenhum dos atributos necessários para ser aceito socialmente, como um bom corpo, bom carro ou boa carteira, o sacrifício de ser arroz-de-festa é algo que pode salvar sua vida no campus.
E, mesmo para quem não vai em todas, algumas são “fundamentais” (caso se pretenda ser considerado uma pessoa existente após quatro anos). Uma dessas é o “Jornalcoólico” - a festa de “libertação” dos “bichos” de jornalismo noturno da Unesp de Bauru. Uma importância social tão grande que faz com que, mesmo quem nunca tenha ido em nenhuma festa antes, fique uma hora sentado na rua esperando para que se abram os portões da casa onde tudo irá rolar. Casa que possui toda a área do quintal de terra; festa que acontece após três dias de chuva incessante. Não consigo decidir se é muita vontade de encher a cara, ou muito medo de ser excluído socialmente, que faz alguém ir pra uma festa dessas sabendo que, invariavelmente, sairá cheio de barro e cheirando misto de álcool, vômito e maconha. E ainda chegar uma hora antes de abrir os portões! De qualquer jeito, aqui estamos, eu e mais umas vinte pessoas, todas encostadas no portão e torcendo para que a chuva, que parece ter dado trégua, não torne a cair durante a madrugada.
O que se vê é um tipo de “esquenta” que fecha a calçada; pessoas fumando e bebendo e acenando e gritando para os carros e ônibus que passam pela rua. Piadas sem graça de cunho sexual sendo contadas; “causos” de festas anteriores sendo relembrados; vez ou outra alguém chutando o portão e gritando para abrir logo, e sendo prontamente ignorado pelos ocupantes da casa. Até que, com quase uma hora de atraso (o que, considerando-se a prática, dá pra se dizer que começou pontualmente), alguém aparece à porta e fala “entra só os bichos”. Um pede pra namorada entrar junto, outro o amigo. Logo todo mundo está dentro da casa, bicho, namorado, agregado ou apenas curioso. Somos então colocados em fila indiana para receber um carimbo na testa. Porcos. Gado. E rindo de tudo. Alguém grita “junta os bichos pra foto”, enquanto pessoas passam derrubando pinga goela abaixo dos fotografados. Pedra 90. 51 é luxo. Ninguém é obrigado a beber. Ninguém recusa. Cara, você sabe desde quando existe essa festa? “Sei lá. Bebe aí.” Bebe aí. Essa é a resposta pra tudo. Ninguém parece ligar pra nada. Pra que saber quando foi a primeira festa? Quem a criou? Quais os rumos que ela vai tomar? Se na manhã seguinte metade dos presentes terá prova, ou terminar de escrever um trabalho para entregar aquela noite, ou uma reportagem que já tá com o deadline vencido. “Bebe aí”. A resposta para todos os problemas da vida universitária.
E o pior é que estão certos. Desce a cachaça! Cadê a cerveja?
Mas a cerveja só seria liberada após o “batismo”. E é para isso que todo o gado é conduzido para o curral interno. E, um a um, cada cabeça é chamada para se prostrar à frente da multidão e receber sua “vacina”; duas seringas de vodka barata e groselha estragada que descem quase como gasolina batizada com mijo. Mas todos bebem, sem fazer cara feia. É a tradição. A tradição do batismo. A instituição da festa. Não deve haver quebra de decoro; é antiético. Antitético. Antiestético. O decoro é anestésico, anestesiante, anestático. Uma “porradinha” ainda espera na saída. E desce decoro!
Liberam a cerveja e os drinks; a música toca; a festa começa. Uma cerveja....duas cervejas...sete cervejas...não sei se é a idade avançada ou o fígado já detonado por antibióticos desde cedo, mas é estranho se sentir começando enquanto as pessoas já estão chegando lá. Chegando lá....não faz nem duas horas de festa e as pessoas já passaram de lá. Você está num canto bebendo sua cerveja tranquilamente e alguém passa cambaleante e encosta no seu braço, quase derrubando sua bebida, e diz gritando e com um sorriso enorme no rosto como acha você uma pessoa legal. E tropeça nas próprias pernas ao dizer isso. E você, como o cavalheiro que é, a segura antes que caia no chão e fala que também gosta bastante dela; a mesma pessoa que, durante as últimas....sei lá, seis ou sete semanas....passava por você pelos corredores e não dizia nem bom dia. Mas se a bebedeira é uma religião, na bebida somos todos irmãos, e amamos o próximo, e nos amamos, e amamos o mundo, e o amor é tão infinito quanto os copos cheios do open bar. E então ela se vai, se apoiando nas rodas de conversa enquanto tropeça nas próprias pernas. E outra te abraça, grita em seu ouvido que você é lindo, e então te dá as costas para, nem dois passos depois, cair de cara no chão, vomitar e levantar como se nada tivesse acontecido. E todos riem. E, ainda com um filete de bile, restos de miojo Turma da Mônica sabor tomate, Pedra 90 e Dolly, se agarra e começa trocar beijos calientes com o amigo gay, duas longas cobras de carne brigando pelo espaço de duas bocas que se faz uma, sem preocupar-se com aquele outro pedaço de carne, lembrança do almoço, que tenta encontrar seu espaço para fora daquela batalha. Olhar para a frente é olhar para o futuro; pessoas compromissadas dando fortes amassos descompromissados com quem quer que chegasse muito perto, que logo estariam escrevendo sobre a falta de ética na profissão; rapazes que saem gritando e xingando e chutando e mostrando toda sua raiva após levarem um fora, e que dali alguns anos estarão escrevendo belíssimos textos exigindo o decoro de parlamentares; garotas que sobem em cima dos freezers e das bancadas usadas como bar e fazem danças provocantes dignas de strippers, enquanto se esfregam nos rapazes que estão em volta curtindo o show, e que depois participarão de passeatas e escreverão editoriais e reportagens cheias de ardor e paixão exigindo que se pare de pensar na mulher como objeto sexual; FILHA DA PUTA!!!!;LINDOS!!!!; cara, te considero pra caramba! Pra caramba mesmo! Você sabe que se precisar....tamo aí....é....tá aqui no peito!; vômitos e gemidos de prazer; a inigualável sinfonia de bêbados conhecidos e alcoólatras anônimos. O futuro do jornalismo do Brasil! E que, muito provavelmente, entrarão no mercado de trabalho, formarão sua família e criarão seus filhos ignorando todas essas experiências e pintando-se como alunos e pessoas exemplares, paladinos da moral e dons bons costumes. Tudo muito errado!
Mas não preciso apenas olhar para frente; posso também olhar pra baixo. Olhar pra baixo é me desvencilhar do mar da hipocrisia futurística e dar conta do copo vazio em minhas mãos. E perceber uma belezinha sentada no chão, derrubada pelo álcool. Nuggets! “Quero ir embora”; meu passaporte para fora. Chamo o ruivo e carregamos a menina para fora da festa; ombro a ombro, tentando andar em linha reta e esconder o nível alcoólico em que ambos estavam. Uma pequena caminhada de 2km, mais cansativa pelo bêbado chato que nos viu saindo da festa e que resolveu nos seguir sem parar de falar um minuto sequer no nosso ouvido do que propriamente pelo peso que a gente estava carregando nos ombros, e chegamos na casa da menina. A deixo na cama dela, sem os sapatos e debaixo do cobertor, enquanto peço pro ruivo segurar o bêbado do lado de fora da casa. Dou um pequeno susto na colega de quarto dela, mas logo ela levanta e me ajuda na tarefa; afinal, pra quem mora em república ver um bêbado invadindo o quarto no meio da madrugada com alguém ainda mais bêbado nos braços já não é muita novidade.
Serviço terminado, faltava descobrir o que fazer com o camarada que havia nos seguido. Comer algo parecia ser uma boa ideia. Deus seja louvado pelos fast-foods 24h! Comprei comida suficiente para três pessoas. Sentamos no ponto de ônibus e começamos a comer...ou pelo menos alguns de nós...porque nosso amigo mala simplesmente vomitou e desmaiou apenas com o cheiro da comida! O ruivo me olhou com cara de preocupação, faço sinal pra ele nem ligar, e continuamos comendo. E assim ficamos durante uns bons minutos, comendo tranquilamente e discutindo sobre assuntos cotidianos enquanto, ali do lado, estava um colega de curso, caído desacordado em cima do próprio vômito. E lá ele ficaria, se já não estivesse sóbrio o bastante para voltar a ouvir minha consciência e ficar com pena do camarada. Então mais uma vez pedi ajuda do ruivo, e nos forçamos a carregá-lo até a minha casa. Depois de mais um pequeno esforço para subir as escadas, jogamos o saco-de-batatas (ou seria ainda uma pessoa?) no colchão reserva que tenho em meu quarto e damos a noite por encerrada; o ruivo vai embora, eu vou pro chuveiro.
Fico quase meia-hora embaixo da água corrente, deixando-a escorrer e purificar corpo e mente daquela vida noturna. Mas ainda consigo sentir o cheiro de álcool e vômito que impregna meu quarto, e os resmungos de alguém que ainda que quase em coma alcoólico consegue reclamar do por que demoramos tanto para jogá-lo num colchão. Não importa o quanto eu tente lavar minhas mãos de toda aquele sujeira; o meio está impregnado com aquilo. Não importa que eu esteja limpo e imaculado; o odor da corrupção e hipocrisia me seguirá onde quer que eu esteja. O que resta fazer é ignorar, enfiar a cabeça no travesseiro e tentar dormir. Ainda que em meio à merda.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A linda, o louco e o duende alucinado


Por José Guilherme Magalhães*



Naquela tarde quente, ele acordou com bafo de cachaça e mais sede que o normal.

- Porra, não devia ter bebido aquela garrafa de conhaque inteira.

Apesar da aparência exata de um mendigo, ainda tinha um certo charme. Pelo menos era o que lhe falava Jenny, sua companheira de loucuras.

Ela era ruiva, toda tatuada. Os mais conservadores a tratavam como lixo, escória da humanidade. Mas ele não. Geralmente estava chapado demais para julgar as pessoas.

Depois de lavar o rosto e tomar quase um litro de água, ele gritou:
- Jenny! Cadê o dichavador? E a seda? Ou melhor, você viu meu bong?
E ela atendia a seus gritos insandecidos e, calmamente, acendia, prendia e passava. E assim ficavam a tarde toda, fumando, conversando sobre a vida, gastando o tempo de vida que eles ainda tinham.
De vez em quando, ele surtava. Da última vez estavam na sala, quando ele, desesperado, disse:
- Esse duende falou sapato! Esse filho de uma puta ta querendo acabar comigo! Traga minha motosserra! Meu machado! Sei lá, só deixe-me matar esse merda.
Apesar de não ter jardim, havia um duende no meio da sala. O maldito anão já tinha falado com ele algumas vezes, mas pela primeira vez olhou fixamente nos seus olhos e disse algo. Era um sinal! Só podia ser um sinal.
Jenny sabia que era loucura, mas entrava no jogo. Começou a pensar sobre o que o duende quis dizer ao falar sapato. Talvez ele quisesse um par novo. Talvez fosse apenas uma demostração da paranóia delirante que cercava aquela sala enfumaçada.
De repente ele diz:
- Será que ainda tem conhaque? E aquela cartela de Benflô? Acabou? Queria ter umas alucinações.
Mais?! Pensou, silenciosamente.
Finalmente tudo ficava claro. As alucinações dele indicavam a loucura total. O nível máximo de loucura que o homem pode atingir. Talvez a única saída, claro. De que outro jeito sobreviver? Marchar sem nenhum ideal seria fácil demais. E como não havia mais nada para lutar, porque não lutar pelo sapato do duende?
Ela sabia que isso não fazia sentido, mas mesmo assim sabia que estava certa.
- Jenny, você está bem?
- Sim... Cadê a garrafa? – Respondeu, enquanto acendia um cigarro.


José Guilherme Magalhães é um bêbado conhecido de Bauru e estuda jornalismo na UNESP nas horas vagas.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tiê?.....tá

“Ai Nóia, vamo comigo! Eu tenho medo de ir sozinha!”
Essa é a grande merda de quando se cresce lendo histórias de super-heróis: você simplesmente não consegue dizer não a um rostinho bonito ou uma donzela pedindo socorro. Ainda mais ambos. Então, desse jeito tão bisonh – amente sem graça – o que eu saí de casa para ir em mais uma aula de enrolação e lero-lero na faculdade e acabei no show da Tiê no Sesc-Bauru.
Que eu só conhecia de nome.
O triste é pensar que essa nem é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece comigo.
Local de encontro: ponto de ônibus perto do Tio Guerreiro. Bem na frente da faculdade, a pouco mais de 200 metros da sala que supostamente deveria estar caso não achasse tão simples e vantajosa a ideia de matar aula. Para ir num show! Quem poderia me culpar? Afinal, um verdadeiro jornalista deve estar por aí, solto no mundo, presente onde as coisas realmente acontecem, para ver, ouvir, cheirar, sentir os acontecimentos e relatá-los para o mundo!
Ou, pelo menos, era isso que eu dizia para tentar me enganar. O fato é que eu sou preguiçoso e já matei aula por muito menos. MUITO menos mesmo.
E, mais ou menos no horário combinado, eis que surge uma Isabela correndo pelo campus em direção ao ponto – ou Gonzo, como preferir. Não que eu consiga imaginar ela fazendo um jornalismo gonzo – ela não é covarde o suficiente pra isso – mas apelidos são coisas que te pegam, principalmente quando não combinam com você. Mais ou menos como o casamento.
Hey! Não precisa correr tanto! O ônibus ainda nem chegou!”
É que eu fiquei com medo que você já tivesse ido embora! Vem, minha mãe vai levar a gente.”
Medo que eu fosse embora...eu só tava lá por causa dela! Mas dá pra (não) entender – afinal, cada um tem um medo mais estranho que o outro. Uns tem medo de aranha, outros de altura, alguns de agulha...e tem aqueles que tem medo de socializar com as pessoas e resolvem virar jornalistas e fazer justamente isso pro resto de suas vidas. Então, dá pra (não) entender.
Mas, sem trocar muitas palavras, fomos para o carro e conheci a mãe dela. Não colocarei o nome nesse texto por uma questão de privacidade – e, lógico, não porque sou horrível com nomes e já tinha me esquecido de como ela se chamava nem cinco segundos depois de sermos apresentados.
É estranho conhecer a mãe de alguém – pra dizer o mínimo. O pai tudo bem, você sempre pode cumprimentar, fazer alguma piada ruim do tipo “sabe quando um advogado está mentindo? Os lábios dele estão se mexendo”, falar mal do Corinthians e se despedir combinando de tomar uma cerveja a qualquer hora – a não ser que o pai em questão seja o da sua namorada, onde no caso quanto mais tempo ele achar que você é uma pessoa séria e não um bêbado degenerado sem futuro que irá levar a filha dele pro “mal caminho”, melhor. Mas a mãe é sempre complicado. Nunca se sabe o que falar depois do “oi”, ou mesmo se deve falar qualquer coisa. O costume é responder sempre com algo monossilábico; oi, sim, aham. Mesmo as risadas são curtas, breves, como se houvesse uma culpa secreta em rir da piada. Acredito que não sou só eu que sempre é apresentado à mãe de alguém se sente como um soldato que acabou de entrar na máfia sendo apresentado ao vizinho policial federal – não sabe se ri, chora, cumprimenta, sai correndo e na dúvida fica parado com aquela cara de bobo sem expressão repetindo um mantra mental de merda!merda!merda!mera!será que ele sabe quem eu sou e veio aqui me prender?merda!merda!merda!merda! ou algo do tipo.
Pelo menos eu espero que não seja o único a me sentir desse jeito. Já tenho problemas sociais demais pra descobrir mais um nessa altura do campeonato.
Bem, mas lá estávamos os três: mãe, filha e eu. Num carro. De duas portas. Então, mesmo que eu achasse uma opção viável pular na calçada de um veículo em movimento constante de aproximadamente 60 km/h, aquela era uma opção inexistente, já que estava no banco de trás.
Mãe, você acha que eu devo levar a mochila ou só a bolsa da câmara?”
Câmara filha? CÂMARA?”
É mãe, câmara. Então, o que você acha melhor?”
Tanto faz.”
Mas daí se eu levar a blusa eu vou ter que ficar com ela pendurada na cintura...”
E?”
Aí mãe, pára! Que que o Nóia vai pensar te vendo falando assim?”
Que ela é divertida?”
Risadas. Sem culpa. Uma mãe troll, quem diria? Gostei dela.
Chegamos no SESC cerca de uma hora antes do show. Apesar disso, o espaço em frente ao palco já estava lotado, e não parava de chegar mais gente. Será que ela é tão famosa assim e só eu nunca ouvi falar dela? Conversando com a Isa, descubro que a música dela toca “na novela das seis...ou das sete...não sei...a que tem a empreguete.” Aaaaaaaahhhhhh tá! Eu ainda tô boiando e não entendendo nada, mas tudo bem.
Enquanto eu bóio, a Isa trabalha. Anda pelo lugar, gravando a galera conversando e se amontoando em torno ao palco. E eu fico ali perdido, meio isolado da multidão, fazendo o que faço de melhor: encostar numa parede e ficar com cara de poucos amigos. Ela então volta, e me pede pra acompanhá-la até o lado de fora, pois queria gravar o caminho da entrada até o palco e não queria parecer uma louca andando perdida com a câmera na mão. Fazendo nada mesmo, a acompanho, e então somos dois loucos andando perdidos com a câmera na mão. Eu pergunto se não seria legal ela colher alguns depoimentos da galera, falando de como conheceram a cantora e o que esperam do show e tal. E aí ela me fala que tem vergonha.
Você não precisa conhecer muito a Isa pra saber que, mais do que os longos cachos de seu cabelo ou seu belo sorriso, o que chama mais a atenção é a personalidade extrovertida, sempre falante, sorridente, pulando e correndo e gritando numa animação tão grande que às vezes parece até que se encheu de cocaína antes de ir pra aula. Então quando alguém tão extrovertida – e ainda por cima com experiência em documentários – me fala que tem vergonha de chegar e falar com as pessoas...
Vem comigo”
Num discurso dado para uma turma de formandos de arte no primeiro semestre desse ano, o escritor Neil Gaiman disse que, se você não se sente capaz de fazer algo, finja que é alguém que é capaz daquilo, e então aja como essa pessoa agiria. É um método estranho – principalmente porque funciona. E então, lá fui pro meio das pessoas, puxando a Isa por um dos braços, fingindo que era uma pessoa sociável e simpática. O que a gente não faz por essas mulheres...
Com licença. Perdão por estar atrapalhando a conversa de vocês, mas eu estou aqui fazendo um documentário sobre o show da Tiê, e gostaria de saber se vocês não poderiam falar do que acham dela e das expectativas para o show. Não precisa ser muita coisa, pode ser bem breve.”
E, de repente, eu tinha saído da condição de mero curioso para diretor de documentário. Uma verdadeira ascensão meteórica na carreira. Principalmente por ser sobre um assunto que eu não conhecia nada, e tendo que enrolar nas perguntas pra que as pessoas não percebessem que estava totalmente perdido.
O triste é que essa não era nem a primeira vez que isso me acontecia.
E lá fomos nós pro meio do povo: eu abrindo caminho com porfavores e comlicenças, a Isa espalhando rodinhas de alternativos, indies, kitchs e cults cada vez que apontava a câmera para alguém. E as perguntas se seguiam: o que esperam do show? Onde vocês conheceram a Tiê? Acha que ela é uma boa mudança no panorama da MPB? E as respostas se seguiam: não sei. Não conheço ela. Vim aqui por que um amigo meu falou que é legal/porque vi falando bem no jornal/porque as pessoas falam bem na internet. De umas dez pessoas entrevistadas, apenas duas realmente conheciam a cantora. E uma delas tinha vindo de Botucatu apenas para ver o show! Incrível como as pessoas vão em eventos de artistas que elas não conhecem apenas porque ouviram alguém falar, ou porque o amigo vai. Mas quem sou eu para julgar? Eu também estava lá, e teoricamente dirigindo um documentário sobre o assunto...
Ah, o nome da menina (era uma menina? Acho que era) que veio de Botucatu? Sei lá. Nem perguntei. Não é porque eu finjo que sou um jornalista que magicamente me tornarei um jornalista competente.
E daí veio aquela coisa que todo jornalista incompetente teme: a organização do evento. Depois que já tínhamos entrevistado várias pessoas, chega alguém do SESC e nos pergunta se temos permissão para colher as imagens. Não tínhamos – precisava permissão? Ele então nos pede pra falar com o Sammit – ou algo do tipo, o nome do cara era tão estranho que depois do terceiro hã? a gente simplesmente balançou a cabeça concordando e procuramos a pessoa que ele apontava – que era o responsável pelo show. E lá fomos então falar com o tal.
De novo isso...olha, é não. Já falei com o pessoal do site várias vezes que a gente libera numa boa, é só entrar em contato com antecedência que a gente concede credencial fácil. Só que enquanto esse povo trabalhar com tudo em cima da hora a gente vai continuar negando. Pô, o show tá anunciado a mais de um mês! Dava pra ter mandado um e-mail pelo menos.”
E então nos deparamos novamente com a 83,5a Lei de Newton – incompetência atrai incompetência, ou algo assim. Parece que não era só a gente que não fazia as coisas direito – o editor da Isa também. E não pela primeira vez. Então era isso. A gente desligava a câmera, via o show e ia embora, certo?
Bem, não exatamente.
Posso ser incompetente, mas ninguém pode me chamar de covarde (tá, tudo bem, de vez em quando – quase sempre – pode). Afinal, estávamos lá – uso o plural, mas na verdade apenas a Isa tava lá pra isso – cobrir o evento, gravar vídeos, tirar fotos e fazer o trabalho jornalístico de rotina, e era isso que iríamos – leia-se ela iria – fazer! Então, fizemos aquilo que se esperava que fizéssemos: nos embrenhamos no meio do povo, ela com a câmera na mão, filmando e tirando fotos como se nada tivesse acontecido, e eu logo atrás, na bituca, carregando a bolsa e de olho pra ver se ninguém da produção do evento se aproximava, para puxá-la pelo braço e levá-la sorrateiramente para algum outro ponto escondido.
O triste é que essa também não era a primeira vez que eu fazia algo do tipo.
E então, até o final do show, fui destituído de minha posição de diretor para virar segurança e contra-regra. Essa carreira artística-jornalística é mesmo uma verdadeira montanha-russa...
E o show? O show seguiu. Ela tocou umas músicas lá, o pessoal aplaudiu, nada muito fora do normal. Já o pós show...
A gente já tava saindo do lugar quando o cara de nome esquisito parou na nossa frente e pediu pra ver a câmera. Num tom intimidatório, ele disse que percebeu que a gente tava filmando, apesar dele não nos ter concedido permissão, e que só sairíamos do local caso deixássemos ele apagar todas as imagens e vídeos da câmera. A Isa empalideceu, e ficou segurando a bolsa contra o peito, enquanto ele puxava a alça, tentando tomá-la à força. Então, sem pensar muito, aproveitei um momento de descuido e dei uma bela bicuda no saco do sujeito – e, como estava calçando botas, deve ter doído pra caralho (pra caralho, hã? Entenderam?). Então, antes que pudesse chamar ajuda, peguei a Isa pelo braço e saímos correndo, subindo as escadas que davam para a rua e quase derrubando algumas pessoas que subiam por ela. Corremos como dois esportistas natos, e não como os jovens preguiçosos e sedentários que somos, e só paramos umas duas esquinas pra frente, encostando num muro e bufando sem ar, olhando ao redor para ter certeza que não estávamos sendo seguidos.
...também não foi nada demais. Essa parte aí de cima é a história que eu gostaria de poder contar pra vocês, mas a verdade é que ninguém nem mesmo se importou da gente ter gravado quase que o show inteiro, e não fizeram nenhum tipo de tentativa de nos impedir de sair. Mas uma coisa é verdade: não vou perder tempo falando do show aqui. O show pouco me interessa. Se quiserem saber dele, entrem no site do e-colab e procurem pela cobertura do evento. Provavelmente vão achar, além das fotos e vídeos, um texto da Isa falando sobre o show que será muito mais informativo do que esse daqui (a propaganda é gratuita, mas se alguém do site quiser me pagar uma cerveja eu não recuso). O fato é que eu nem prestei atenção direito no show, e voltei pra casa com a mesma impressão que tinha quando cheguei. Quem é Tiê? Ela fez uma música pra novela? Ah tá...