quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tiê?.....tá

“Ai Nóia, vamo comigo! Eu tenho medo de ir sozinha!”
Essa é a grande merda de quando se cresce lendo histórias de super-heróis: você simplesmente não consegue dizer não a um rostinho bonito ou uma donzela pedindo socorro. Ainda mais ambos. Então, desse jeito tão bisonh – amente sem graça – o que eu saí de casa para ir em mais uma aula de enrolação e lero-lero na faculdade e acabei no show da Tiê no Sesc-Bauru.
Que eu só conhecia de nome.
O triste é pensar que essa nem é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece comigo.
Local de encontro: ponto de ônibus perto do Tio Guerreiro. Bem na frente da faculdade, a pouco mais de 200 metros da sala que supostamente deveria estar caso não achasse tão simples e vantajosa a ideia de matar aula. Para ir num show! Quem poderia me culpar? Afinal, um verdadeiro jornalista deve estar por aí, solto no mundo, presente onde as coisas realmente acontecem, para ver, ouvir, cheirar, sentir os acontecimentos e relatá-los para o mundo!
Ou, pelo menos, era isso que eu dizia para tentar me enganar. O fato é que eu sou preguiçoso e já matei aula por muito menos. MUITO menos mesmo.
E, mais ou menos no horário combinado, eis que surge uma Isabela correndo pelo campus em direção ao ponto – ou Gonzo, como preferir. Não que eu consiga imaginar ela fazendo um jornalismo gonzo – ela não é covarde o suficiente pra isso – mas apelidos são coisas que te pegam, principalmente quando não combinam com você. Mais ou menos como o casamento.
Hey! Não precisa correr tanto! O ônibus ainda nem chegou!”
É que eu fiquei com medo que você já tivesse ido embora! Vem, minha mãe vai levar a gente.”
Medo que eu fosse embora...eu só tava lá por causa dela! Mas dá pra (não) entender – afinal, cada um tem um medo mais estranho que o outro. Uns tem medo de aranha, outros de altura, alguns de agulha...e tem aqueles que tem medo de socializar com as pessoas e resolvem virar jornalistas e fazer justamente isso pro resto de suas vidas. Então, dá pra (não) entender.
Mas, sem trocar muitas palavras, fomos para o carro e conheci a mãe dela. Não colocarei o nome nesse texto por uma questão de privacidade – e, lógico, não porque sou horrível com nomes e já tinha me esquecido de como ela se chamava nem cinco segundos depois de sermos apresentados.
É estranho conhecer a mãe de alguém – pra dizer o mínimo. O pai tudo bem, você sempre pode cumprimentar, fazer alguma piada ruim do tipo “sabe quando um advogado está mentindo? Os lábios dele estão se mexendo”, falar mal do Corinthians e se despedir combinando de tomar uma cerveja a qualquer hora – a não ser que o pai em questão seja o da sua namorada, onde no caso quanto mais tempo ele achar que você é uma pessoa séria e não um bêbado degenerado sem futuro que irá levar a filha dele pro “mal caminho”, melhor. Mas a mãe é sempre complicado. Nunca se sabe o que falar depois do “oi”, ou mesmo se deve falar qualquer coisa. O costume é responder sempre com algo monossilábico; oi, sim, aham. Mesmo as risadas são curtas, breves, como se houvesse uma culpa secreta em rir da piada. Acredito que não sou só eu que sempre é apresentado à mãe de alguém se sente como um soldato que acabou de entrar na máfia sendo apresentado ao vizinho policial federal – não sabe se ri, chora, cumprimenta, sai correndo e na dúvida fica parado com aquela cara de bobo sem expressão repetindo um mantra mental de merda!merda!merda!mera!será que ele sabe quem eu sou e veio aqui me prender?merda!merda!merda!merda! ou algo do tipo.
Pelo menos eu espero que não seja o único a me sentir desse jeito. Já tenho problemas sociais demais pra descobrir mais um nessa altura do campeonato.
Bem, mas lá estávamos os três: mãe, filha e eu. Num carro. De duas portas. Então, mesmo que eu achasse uma opção viável pular na calçada de um veículo em movimento constante de aproximadamente 60 km/h, aquela era uma opção inexistente, já que estava no banco de trás.
Mãe, você acha que eu devo levar a mochila ou só a bolsa da câmara?”
Câmara filha? CÂMARA?”
É mãe, câmara. Então, o que você acha melhor?”
Tanto faz.”
Mas daí se eu levar a blusa eu vou ter que ficar com ela pendurada na cintura...”
E?”
Aí mãe, pára! Que que o Nóia vai pensar te vendo falando assim?”
Que ela é divertida?”
Risadas. Sem culpa. Uma mãe troll, quem diria? Gostei dela.
Chegamos no SESC cerca de uma hora antes do show. Apesar disso, o espaço em frente ao palco já estava lotado, e não parava de chegar mais gente. Será que ela é tão famosa assim e só eu nunca ouvi falar dela? Conversando com a Isa, descubro que a música dela toca “na novela das seis...ou das sete...não sei...a que tem a empreguete.” Aaaaaaaahhhhhh tá! Eu ainda tô boiando e não entendendo nada, mas tudo bem.
Enquanto eu bóio, a Isa trabalha. Anda pelo lugar, gravando a galera conversando e se amontoando em torno ao palco. E eu fico ali perdido, meio isolado da multidão, fazendo o que faço de melhor: encostar numa parede e ficar com cara de poucos amigos. Ela então volta, e me pede pra acompanhá-la até o lado de fora, pois queria gravar o caminho da entrada até o palco e não queria parecer uma louca andando perdida com a câmera na mão. Fazendo nada mesmo, a acompanho, e então somos dois loucos andando perdidos com a câmera na mão. Eu pergunto se não seria legal ela colher alguns depoimentos da galera, falando de como conheceram a cantora e o que esperam do show e tal. E aí ela me fala que tem vergonha.
Você não precisa conhecer muito a Isa pra saber que, mais do que os longos cachos de seu cabelo ou seu belo sorriso, o que chama mais a atenção é a personalidade extrovertida, sempre falante, sorridente, pulando e correndo e gritando numa animação tão grande que às vezes parece até que se encheu de cocaína antes de ir pra aula. Então quando alguém tão extrovertida – e ainda por cima com experiência em documentários – me fala que tem vergonha de chegar e falar com as pessoas...
Vem comigo”
Num discurso dado para uma turma de formandos de arte no primeiro semestre desse ano, o escritor Neil Gaiman disse que, se você não se sente capaz de fazer algo, finja que é alguém que é capaz daquilo, e então aja como essa pessoa agiria. É um método estranho – principalmente porque funciona. E então, lá fui pro meio das pessoas, puxando a Isa por um dos braços, fingindo que era uma pessoa sociável e simpática. O que a gente não faz por essas mulheres...
Com licença. Perdão por estar atrapalhando a conversa de vocês, mas eu estou aqui fazendo um documentário sobre o show da Tiê, e gostaria de saber se vocês não poderiam falar do que acham dela e das expectativas para o show. Não precisa ser muita coisa, pode ser bem breve.”
E, de repente, eu tinha saído da condição de mero curioso para diretor de documentário. Uma verdadeira ascensão meteórica na carreira. Principalmente por ser sobre um assunto que eu não conhecia nada, e tendo que enrolar nas perguntas pra que as pessoas não percebessem que estava totalmente perdido.
O triste é que essa não era nem a primeira vez que isso me acontecia.
E lá fomos nós pro meio do povo: eu abrindo caminho com porfavores e comlicenças, a Isa espalhando rodinhas de alternativos, indies, kitchs e cults cada vez que apontava a câmera para alguém. E as perguntas se seguiam: o que esperam do show? Onde vocês conheceram a Tiê? Acha que ela é uma boa mudança no panorama da MPB? E as respostas se seguiam: não sei. Não conheço ela. Vim aqui por que um amigo meu falou que é legal/porque vi falando bem no jornal/porque as pessoas falam bem na internet. De umas dez pessoas entrevistadas, apenas duas realmente conheciam a cantora. E uma delas tinha vindo de Botucatu apenas para ver o show! Incrível como as pessoas vão em eventos de artistas que elas não conhecem apenas porque ouviram alguém falar, ou porque o amigo vai. Mas quem sou eu para julgar? Eu também estava lá, e teoricamente dirigindo um documentário sobre o assunto...
Ah, o nome da menina (era uma menina? Acho que era) que veio de Botucatu? Sei lá. Nem perguntei. Não é porque eu finjo que sou um jornalista que magicamente me tornarei um jornalista competente.
E daí veio aquela coisa que todo jornalista incompetente teme: a organização do evento. Depois que já tínhamos entrevistado várias pessoas, chega alguém do SESC e nos pergunta se temos permissão para colher as imagens. Não tínhamos – precisava permissão? Ele então nos pede pra falar com o Sammit – ou algo do tipo, o nome do cara era tão estranho que depois do terceiro hã? a gente simplesmente balançou a cabeça concordando e procuramos a pessoa que ele apontava – que era o responsável pelo show. E lá fomos então falar com o tal.
De novo isso...olha, é não. Já falei com o pessoal do site várias vezes que a gente libera numa boa, é só entrar em contato com antecedência que a gente concede credencial fácil. Só que enquanto esse povo trabalhar com tudo em cima da hora a gente vai continuar negando. Pô, o show tá anunciado a mais de um mês! Dava pra ter mandado um e-mail pelo menos.”
E então nos deparamos novamente com a 83,5a Lei de Newton – incompetência atrai incompetência, ou algo assim. Parece que não era só a gente que não fazia as coisas direito – o editor da Isa também. E não pela primeira vez. Então era isso. A gente desligava a câmera, via o show e ia embora, certo?
Bem, não exatamente.
Posso ser incompetente, mas ninguém pode me chamar de covarde (tá, tudo bem, de vez em quando – quase sempre – pode). Afinal, estávamos lá – uso o plural, mas na verdade apenas a Isa tava lá pra isso – cobrir o evento, gravar vídeos, tirar fotos e fazer o trabalho jornalístico de rotina, e era isso que iríamos – leia-se ela iria – fazer! Então, fizemos aquilo que se esperava que fizéssemos: nos embrenhamos no meio do povo, ela com a câmera na mão, filmando e tirando fotos como se nada tivesse acontecido, e eu logo atrás, na bituca, carregando a bolsa e de olho pra ver se ninguém da produção do evento se aproximava, para puxá-la pelo braço e levá-la sorrateiramente para algum outro ponto escondido.
O triste é que essa também não era a primeira vez que eu fazia algo do tipo.
E então, até o final do show, fui destituído de minha posição de diretor para virar segurança e contra-regra. Essa carreira artística-jornalística é mesmo uma verdadeira montanha-russa...
E o show? O show seguiu. Ela tocou umas músicas lá, o pessoal aplaudiu, nada muito fora do normal. Já o pós show...
A gente já tava saindo do lugar quando o cara de nome esquisito parou na nossa frente e pediu pra ver a câmera. Num tom intimidatório, ele disse que percebeu que a gente tava filmando, apesar dele não nos ter concedido permissão, e que só sairíamos do local caso deixássemos ele apagar todas as imagens e vídeos da câmera. A Isa empalideceu, e ficou segurando a bolsa contra o peito, enquanto ele puxava a alça, tentando tomá-la à força. Então, sem pensar muito, aproveitei um momento de descuido e dei uma bela bicuda no saco do sujeito – e, como estava calçando botas, deve ter doído pra caralho (pra caralho, hã? Entenderam?). Então, antes que pudesse chamar ajuda, peguei a Isa pelo braço e saímos correndo, subindo as escadas que davam para a rua e quase derrubando algumas pessoas que subiam por ela. Corremos como dois esportistas natos, e não como os jovens preguiçosos e sedentários que somos, e só paramos umas duas esquinas pra frente, encostando num muro e bufando sem ar, olhando ao redor para ter certeza que não estávamos sendo seguidos.
...também não foi nada demais. Essa parte aí de cima é a história que eu gostaria de poder contar pra vocês, mas a verdade é que ninguém nem mesmo se importou da gente ter gravado quase que o show inteiro, e não fizeram nenhum tipo de tentativa de nos impedir de sair. Mas uma coisa é verdade: não vou perder tempo falando do show aqui. O show pouco me interessa. Se quiserem saber dele, entrem no site do e-colab e procurem pela cobertura do evento. Provavelmente vão achar, além das fotos e vídeos, um texto da Isa falando sobre o show que será muito mais informativo do que esse daqui (a propaganda é gratuita, mas se alguém do site quiser me pagar uma cerveja eu não recuso). O fato é que eu nem prestei atenção direito no show, e voltei pra casa com a mesma impressão que tinha quando cheguei. Quem é Tiê? Ela fez uma música pra novela? Ah tá...

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