Por José Guilherme Magalhães*
Naquela tarde quente, ele acordou com bafo de
cachaça e mais sede que o normal.
- Porra, não devia ter bebido aquela garrafa
de conhaque inteira.
Apesar da aparência exata de um mendigo,
ainda tinha um certo charme. Pelo menos era o que lhe falava Jenny,
sua companheira de loucuras.
Ela era ruiva, toda tatuada. Os mais
conservadores a tratavam como lixo, escória da humanidade. Mas ele
não. Geralmente estava chapado demais para julgar as pessoas.
Depois de lavar o rosto
e tomar quase um litro de água, ele gritou:
- Jenny! Cadê o
dichavador? E a seda? Ou melhor, você viu meu bong?
E ela atendia a seus
gritos insandecidos e, calmamente, acendia, prendia e passava. E
assim ficavam a tarde toda, fumando, conversando sobre a vida,
gastando o tempo de vida que eles ainda tinham.
- Esse duende falou
sapato! Esse filho de uma puta ta querendo acabar comigo! Traga minha
motosserra! Meu machado! Sei lá, só deixe-me matar esse merda.
Apesar de não ter
jardim, havia um duende no meio da sala. O maldito anão já tinha
falado com ele algumas vezes, mas pela primeira vez olhou fixamente
nos seus olhos e disse algo. Era um sinal! Só podia ser um sinal.
Jenny sabia que era
loucura, mas entrava no jogo. Começou a pensar sobre o que o duende
quis dizer ao falar sapato. Talvez ele quisesse um par novo. Talvez
fosse apenas uma demostração da paranóia delirante que cercava
aquela sala enfumaçada.
De repente ele diz:
- Será que ainda tem
conhaque? E aquela cartela de Benflô? Acabou? Queria ter umas
alucinações.
Mais?! Pensou,
silenciosamente.
Finalmente tudo ficava
claro. As alucinações dele indicavam a loucura total. O nível
máximo de loucura que o homem pode atingir. Talvez a única saída,
claro. De que outro jeito sobreviver? Marchar sem nenhum ideal seria
fácil demais. E como não havia mais nada para lutar, porque não
lutar pelo sapato do duende?
Ela sabia que isso não
fazia sentido, mas mesmo assim sabia que estava certa.
- Jenny, você está
bem?
- Sim... Cadê a
garrafa? – Respondeu, enquanto acendia um cigarro.
José Guilherme Magalhães é um bêbado conhecido de Bauru e estuda jornalismo na UNESP nas horas vagas.
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