sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A linda, o louco e o duende alucinado


Por José Guilherme Magalhães*



Naquela tarde quente, ele acordou com bafo de cachaça e mais sede que o normal.

- Porra, não devia ter bebido aquela garrafa de conhaque inteira.

Apesar da aparência exata de um mendigo, ainda tinha um certo charme. Pelo menos era o que lhe falava Jenny, sua companheira de loucuras.

Ela era ruiva, toda tatuada. Os mais conservadores a tratavam como lixo, escória da humanidade. Mas ele não. Geralmente estava chapado demais para julgar as pessoas.

Depois de lavar o rosto e tomar quase um litro de água, ele gritou:
- Jenny! Cadê o dichavador? E a seda? Ou melhor, você viu meu bong?
E ela atendia a seus gritos insandecidos e, calmamente, acendia, prendia e passava. E assim ficavam a tarde toda, fumando, conversando sobre a vida, gastando o tempo de vida que eles ainda tinham.
De vez em quando, ele surtava. Da última vez estavam na sala, quando ele, desesperado, disse:
- Esse duende falou sapato! Esse filho de uma puta ta querendo acabar comigo! Traga minha motosserra! Meu machado! Sei lá, só deixe-me matar esse merda.
Apesar de não ter jardim, havia um duende no meio da sala. O maldito anão já tinha falado com ele algumas vezes, mas pela primeira vez olhou fixamente nos seus olhos e disse algo. Era um sinal! Só podia ser um sinal.
Jenny sabia que era loucura, mas entrava no jogo. Começou a pensar sobre o que o duende quis dizer ao falar sapato. Talvez ele quisesse um par novo. Talvez fosse apenas uma demostração da paranóia delirante que cercava aquela sala enfumaçada.
De repente ele diz:
- Será que ainda tem conhaque? E aquela cartela de Benflô? Acabou? Queria ter umas alucinações.
Mais?! Pensou, silenciosamente.
Finalmente tudo ficava claro. As alucinações dele indicavam a loucura total. O nível máximo de loucura que o homem pode atingir. Talvez a única saída, claro. De que outro jeito sobreviver? Marchar sem nenhum ideal seria fácil demais. E como não havia mais nada para lutar, porque não lutar pelo sapato do duende?
Ela sabia que isso não fazia sentido, mas mesmo assim sabia que estava certa.
- Jenny, você está bem?
- Sim... Cadê a garrafa? – Respondeu, enquanto acendia um cigarro.


José Guilherme Magalhães é um bêbado conhecido de Bauru e estuda jornalismo na UNESP nas horas vagas.

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