segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um barzinho e uma eleição


“Cara, preciso entrevistar alguém sobre os bastidores da política, tem como você falar comigo um pouco sobre?”
“Claro rapaz! Sem problemas! E é uma honra que você tenha pensado em mim pra isso.”
“Na verdade, você era minha terceira opção, mas as duas primeiras furaram.”
“Hahahahahaha!!!! Típico. Mas então, quando e onde você tava pensando?”
“Olha, eu tava pensando em sábado ali entre o final da tarde, começo da noite, num bar meio copo sujo que tem ali atrás da USP, que me deram um toque que é maior frequentado por prostitutas e bêbados.”
“Perfeito. Te encontro lá no bar então.”
“Fechô.”

É isso aí. Nada de lanchonete, sala acústica, Fran's Café ou qualquer desses lugares que se procura paz e tranquilidade com o intuito de “ai, não quero estragar minha sonora.” Jornalismo se faz na rua, no bar, principalmente onde a cerveja é barata e ninguém fica te olhando feio se você passa mais de meia-hora lá dentro sem comprar nada. E, apesar do preconceito quanto a esse tipo de atitude, mesmo entre os próprios colegas de profissão, onde muitos tem o ego tão inflado e a empáfia tão lapidada que chegam a ser achar mais do que homens, deuses, não somente “meros mortais”, tentando esconder de todos – talvez até de si mesmos – sua condição de subcidadão de classe média que estuda durante anos e se orgulha de ter um texto “bem trabalhado” - ainda que seja difícil definir exatamente o que seja essa classificação, já que na enorme parte das vezes esse tal trabalho nada mais é do que preencher com informações atuais uma forma pré-definida e sempre repetida – pra trabalhar bem mais e ganhar bem menos que escrivão de prefeitura de cidade pequena. Mas essa é a vida que a gente escolhe, e tem que se virar nela – por isso mesmo que não abro mão do trabalho old school, dos copos sujos da vida, onde a cerveja é aguada mas é barata, independente das baratas. E tudo fica mais fácil quando o entrevistado é um conhecido e também concorda com isso; Henrique Cézar – Help, Presidente – também é outro desses aspirantes de jornalista que não se iludem com o status da profissão, sabendo que estamos muito mais pra pedintes do que high society – a não ser, é claro, altos de doces e balinhas e tapinhas. Mas não éramos da alta – nem estávamos altos – e fomos prum verdadeiro buteco.
Três elementos definem a qualidade de um buteco – iluminação, ambiente e atendimento. Lugar era escuro, ambiente tocava uma rádio que mistura pagode, sertanejo universitário e música de festa de formatura, e quem nos atendeu era uma garçonete que mais parecia o Ronaldinho Gaúcho com problemas dentários, então, como explica a teoria, estávamos bem servidos.
“Que cervejas vocês tem aqui?”
“Ah, essas que tá aí ó. O preço tá aí do lado.”
“Então me vê uma Antarctica.”
“Ih moço, não tem Antarctica. Só Brahma e Skol.”
“Então desce uma Brahma.”
“Ah, mas eu cabei de lembrar. Cabou a Brahma ontem. Só tem Skol.”
“Então vai Skol mesmo.”
Ela vira e vai buscar o pedido. Eu começo a rir. Não preciso contar pra ela que fomos nós que havíamos acabado com a Brahma na noite anterior, numa daquelas noites que você sai pra tomar uma cervejinha pra segurar o calor e volta pra casa vinte garrafas mais gordo e cinquenta conto mais pobre, apenas pra tomar uma banho e subir pra aula – ou ir trabalhar – em coisa de minutos. Mas rei morto rei posto, missão dada missão cumprida e copo cheio cerveja na mesa e gravador ligado; hora de trabalhar.
“Moço, desculpa atrapalhar vocês dois, mas você não conseguem arrombar um cadeado pra mim não?”
A gente olha pra cara da Galúcho, sem entender nada.
“É que o cara que tem a chave não vem hoje, e é maior trabalho ter que dar a volta pelos fundos pra ir na cozinha. Vocês não conseguem arrombar o cadeado pra mim, fazendo favor?”
É por esse tipo de coisa que eu adoro trabalhar em buteco.
Me levanto meio preguiçoso, deixando gravador ligado e cerveja gelada em cima da mesa, com maior medo de que alguém passando na rua roube minha cerveja. Pergunto se tem alguma ferramenta, Galúcho me oferece uma marreta e uma pá de enxada; a coisa fica cada vez melhor. Chego pra ver o tal do cadeado: parrudo demais pra quebrar só na marreta, pequeno demais pra conseguir usar a enxada de alavanca. Começo a olhar em volta, procurando algo pra ajudar na tarefa, e tentando me lembrar de tudo que aprendi em anos de lockpicking com Fallout, Elder Scrolls e Sherlock Holmes. E então algo me chama a atenção: um araminho de ferro pontiagudo, que os garçons usam para colocar os pedidos anotados; era só enfiar aquilo no buraco do cadeado, dar umas duas ou três marretadas e logo quebraria a trava e forçaria o cadeado a abrir. Batata! Cinco minutos depois voltava para a mesa continuar com minha entrevista e tomar minha gelada, deixando com a Galúcho uma marreta, uma pá de enxada, um arame de pedidos todo retorcido e um cadeado intacto mas que nunca mais iria abrir com sua chave, deixando claro que a escolha do videogame em prol dos trabalhos braçais tinha fundamento.
Mas, enquanto o mundo caia lá fora, dentro a cerveja descia e escondia a minha total falta de preparação para uma entrevista com foco político, onde eu não tinha estudado nada e nem preparado um roteiro a ser seguido, esperando que as respostas de meu entrevistado dessem base para novas perguntas, o que, no fim das contas, convinha com minha formação de jornalista esportivo que não assiste jogo, crítico literário que tem raiva dos clássicos e resenhista de filmes que só vai no cinema pra ver filme do Rambo e dorme de babar quando alguém coloca algo do Bergman; seguindo essa lógica, ser o cara que justifica o voto é um bom passo para virar também jornalista político. Afinal, fazer do migué uma arte é algo que nem todo mundo tem coragem.
Mas o bom migué é pra poucos e, incrivelmente, a entrevista ficou legal e muito mais longa do que eu esperava, revelando um jovem com tantas histórias e opinião bem formada que nem parece que tem apenas dezenove anos. E vocês podem conferi-la aqui mesmo.


Entrevista Henrique Cézar - editada by Rafael Rodrigues 116

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Uma influência


Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Ou algo do tipo.
Pois foi bem assim minha história com Gaiman; bem algo do tipo.
Eram meados de 2003 – época que estudava em período integral, mas passava mais tempo matando aula do que realmente na escola. Mas, apesar de naquela época já ostentar os cabelos compridos, a cara de mau e a pose de rock and roll rebel, ainda era um nerd de carteirinha e, ao invés de sair por aí arranjando brigas, largava a escola para ir visitar as livrarias dos diferentes shoppings da cidade – Nobel, Saraiva e Siciliano. Apesar de andar sempre com o dinheiro contado para almoçar e pegar ônibus – coisa que não mudou muito nesses anos todos – e nem poder pensar em comprar livros, gostava de ir até esses lugares para lê-los. Quem já estudou em escola técnica sabe como a oferta por livros – livros de verdade! Não manuais e tratados sobre física e matemática – em suas bibliotecas é escassa, e por isso eu gostava tanto de ir nessas livrarias, sentar nas cadeiras ou sofás que sempre existiam nelas, escolher alguma obra ao acaso e lê-las até o fim, muitas vezes ficando direto desde manhãzinha até a noite. Lembro que certa vez cheguei na Siciliano já no meio da tarde, sem tempo para ler um livro mais extenso. E, nesses casos, a seção de quadrinhos era sempre uma boa pedida. Nos altos dos meus 16 anos, o que mais me chamava atenção eram os mangás japoneses, com suas histórias repetidas que na época ainda considerava originais, coisas como Dragon Ball Z, Cavaleiros do Zodíaco, Yu-Yu Hakusho e tantos outros que a premissa era sempre de um grupo de adolescentes bem afeiçoados com super-poderes e enorme conhecimento de artes marciais que salvavam o mundo. Mas naquele dia uma outra coisa me chamou a atenção: uma revista em capa dura, folhas tamanho ofício, com uma qualidade gráfica que eu nunca tinha visto antes. E, apesar de saber que não deveria julgar um livro pela capa – e nem pelo exorbitante preço de R$69,90 – foi justamente pela capa que resolvi dar a ele uma chance, e levá-lo para a confortável poltrona em que passaria as próximas horas roubando conhecimento sem desembolsar nem um centavo com a loja. Hoje não me lembro mais direito de como era a capa, mais me lembro de cada palavra da frase que me fez, literalmente, me apaixonar por aquilo que tinha em mãos. Presente em algum lugar no meio daquele livro/gibi, que me fez perder o ar por alguns segundos e saber que, a partir daquele momento, não havia mais volta; estava cativado:

“É apenas isso: se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote. Olhos, um coração, dias e vida. Mas são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando...é isso que faz o resto valer a pena.”

E foi assim minha primeira vez com Gaiman, minha primeira vez com Sandman; não precisou de mais do que dois segundos para saber que era amor para a vida inteira. Desde então, virei um maníaco: passei a frequentar aquela livraria – todas as livrarias – pelo menos uma vez por semana, procurando por mais material daquele ilustre desconhecido que, de uma hora pra outra, havia ultrapassado Tolkien, Shakespeare e Wilde para se tornar meu escritor favorito. E isso porque eu ainda achava que ele só escrevia quadrinhos! Quando descobri suas obras literárias – primeiro com Belas Maldições, que até hoje é o meu livro preferido, e então com Deuses Americanos – comecei a criar cada vez mais certeza de que não estava de frente apenas de um bom quadrinista; estava presenciando o surgimento daquele que ainda viria a ser um dos mais escritores de todos os tempos. E, mesmo que mal tivesse saído das fraldas, não tinha a menor duvida disso.
E os anos passaram.
E, como sabia que não dava pra confiar num molecão que ainda achava A Praça é Nossa algo engraçado, quanto mais velho e chato ia ficando, novamente voltava aos livros e quadrinhos de Gaiman para mais uma vistoria. Afinal, uma hora acabaria achando falhas, e falando “Ahá! Eu sabia que aquilo tudo era só uma patifaria para enganar adolescentes semiculturados que se acham a última rapadura da estante!”
O grande problema é que nunca achava falhas. Apenas linhas narrativas e referências cada vez mais sutis e geniais que me passavam despercebidos antes.
Se um dos fatores que fazem uma obra clássica é o fato de sempre encontrarmos algo novo a cada leitura subsequente, posso dizer sem medo que Gaiman já nasceu clássico.
E trabalhar com a obra desse cara foi algo que eu sempre quis fazer.
Mexer com ele – e convencer mais quatro pessoas que nunca haviam ouvido falar dele – é um trabalho extremamente prazeroso. Muito cansativo, porque cada aspecto desvendado revela outros aspectos que sempre haviam passado batido, que por sua vez revelam outros, num círculo de fios narrativos e temáticos que parece não ter fim; mas, mesmo assim, prazeroso. E isso se dá em grande parte ao fato das pessoas que não o conheciam, ao entrarem em contato com ele, te encontrarem pelos corredores da faculdade e te falarem “porra! O cara é genial!” e eu poder assentir com a cabeça, num gesto silencioso, enquanto conservo internamente um sorriso de orgulho que diz apenas “eu sei. Sempre soube.”
Porque ele é mesmo genial.
Não só já é considerado pela crítica como o maior escritor vivo - com uma carreira de pouco mais de 20 anos que já contém quase 150 prêmios literários e artísticas de todo o mundo – ainda é jovem e, diferentemente dos “grandes nomes” que vemos por aí, nem um pouco pretensioso. Mais do que o cara que vai em Cannes assistir os filmes que irão balançar ou não a crítica especializada, ele é o cara que vai na estréia do novo filme do Batman – simplesmente porque gosta do Batman. Mais do que o cara que vai nos grandes museus posar ao lado de Michelangelos e Da Vincis, é aquele que, num final de semana de bobeira, resolve juntar os amigos e produzir um álbum inteiro de rock em apenas 24h, incluindo aí composição e gravação de todas as músicas. Mais do que um cara que é tido cada vez mais como o grande escritor dos séculos XX e XXI, ele é o cara que tem orgulho de ter surgido de um gênero tão marginalizado quanto os quadrinhos. Mais do que o cara que se orgulha de ter viajado por praticamente todos os países do mundo e ter sua obra traduzida em praticamente todas as principais línguas, ele é o cara que fica feliz por não precisar acordar antes do meio-dia para exercer sua profissão. E que vive numa mansão igual à da Família Adams do seriado dos anos 60 – o que é sempre um motivo a mais pra se gostar dele.
Mais do que tudo isso, ele é um cara que nunca se importou em ser culto, ou de fugir da “indústria cultural”. Ele apenas gosta de inventar histórias, e contá-las; e é isso que vem fazendo durante muito tempo.
E é isso que faz dele alguém com que qualquer um, independente do gosto ou da pretensão artística, acabe se identificando com ele. Mais do que um personagem, ele é uma pessoa comum.
Ou pode ser tudo puxa-saquismo de minha parte. Vai saber. Escrevendo a essas horas da madrugada depois de um semana dormindo mal, não dá pra ter mais certeza de nada.
Apenas de que o cara é o melhor escritor que eu já conheci. E isso pra mim basta.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Virtual indivíduo na época do desamor


...te enviou uma mensagem

a barrinha azul piscante no canto direito indica mais uma chamada na madrugada; manhã; a vontade de ignorar

a falta de coragem pra isso

o oi seco de coração palpitante

a ansiedade de falar; a vontade crescente de mandar a merda

ponto final

colocar um ponto final na história

mas nunca gostou de pontos finais

ponto e vírgula;

;

ponto e vírgula sempre foi mais sua cara

a indecisão; incerteza; o não saber se é fim ou pausa

momento

ou eterno

uma risada

hauhauhauuahuauha

falsa;

um fato da vida

ok

silêncio

a foto no canto direito, bolinha verde ao lado; o necessitar falar

o não querer dar o braço a torcer;

feridas no ego não curam; aumentam

a cada palavra; dita ou não;

muitas não são; a maioria delas

mas não há ponto final
;

apenas

dia sim, dia não; tudo continua

se arrastando

sem coragem

para nada

masturbar para não chorar;

é o que há para a noite...


*

Uma hora ele tinha que sair de sua cripta.

Abrir as janelas, ver o mundo.

Falar com as pessoas.

Tomar uma cerveja. Acima de tudo, tomar uma cerveja. É uma das vantagens de se estar no meio de um monte de gente, a maior parte delas desconhecidos dos quais você não se importa nem um pouco; pode-se tomar cerveja sem parecer um alcoólatra.

E pessoas tinham aos montes.

E uma pessoa.

Ao longe, na surdina, observa. Bebe. Uma cerveja, duas cervejas, dez cervejas, onze cervejas, cervejas de perder a conta.

E observa.

Dança. Risos. Abraços. Poses para fotos.

Um riso perdido em sua direção. Pega para si. Não é dele. Sabe que não é. Mas o toma de qualquer jeito. Sem permissão; sem consentimento; sem nem mesmo saber que fazia aquilo. Sorria para ninguém o sorriso que gostava de se sentir dono. De longe. Sempre de longe.

A solidão nos torna cada vez mais solitários. Perde-se a habilidade do xaveco, da conquista. Mesmo do mais inocente bate-papo. A falta de contato humano faz desejar ardentemente qualquer tipo de contato; sem sucesso. Não se sabe mais fazer contato. A solidão que gera a necessidade de socializar que mostra a incapacidade de o fazer e o desejo de se isolar.

Um círculo vicioso que termina na garrafa de cerveja, na dose de conhaque, no copo de uísque, em qualquer coisa alcoólica que faça a cabeça começar a girar e induza ao sono tranquilo.

Os olhos que veem. A necessidade latente de ir embora para não mais ver. As pernas que andam sozinhas, a cabeça que de repente se encontra sentada na cama, escondida entre mãos suadas.

O sono que, uma hora, chega.

Ainda embalado no sorriso roubado. Na noite intranquila.

O mesmo erro; a mesma coisa de sempre. Tudo de novo.

Círculo viciado.

*

Em todo lugar, existem aquelas pessoas que choram e esperneiam por não encontrar seu príncipe encantado e sua princesa na torre, e se sentem as mais miseráveis no mundo por isso. Para desespero daqueles que se contentariam com a bruxa, a fera, a irmã má ou mesmo o sapo, e mesmo assim se veem fora da história.

sábado, 6 de outubro de 2012

A poesia morreu!


Tudo o que ouço é blablablá.

Olha, não queria dizer isso, mas como não me deixam opção, não tenho escolha. Que me desculpem Homero e Virgílio; me desculpe Camões de mares nunca dantes navegados. Me perdoe o eterno bardo Shakespeare, tenha ele existido ou não. Me perdoe Dante do sétimo círculo do inferno! Me perdoe também Lord Byron; ainda que ele nunca tenha perdoado ninguém, sempre há a primeira vez. Desculpa por tudo Baudelaire, mas sabe como é né? Me desculpa Rimbaud e Verlaine. Foi mal aí Ginsberg! Peço desculpas de todo o coração ao tio WW. E Frost, você também me perdoe. E você Fernando, seja uma boa pessoa e me perdoe. Me desculpe Bilac, Drummond, Bandeira. Me desculpa Manoel por jogar seu nome no barro. Vininha! Grande poeta das coisas pequenas, me desculpe. E Noel, Cartola, Chico, Gil, Morrison, Dylan, Lennon – todos vocês, e tantos outros, me perdoem!

Peço perdão porque, no que tenho a lhes dizer, não há benção.

Meus amigos, é com quase nenhum pesar que anuncio: a poesia morreu!

Sim, ela está morta, velada e sepultada. Não há mais nada a fazer.

Ela, que sobreviveu à Auschwitz, pereceu ante o todo-poderoso iPod. Ela, que se alimentou de nossas desgraças, perece ante as próprias.

Como sobreviver num mundo em que todos possuem um ego de poeta?

Bons tempos quando apenas poucos privilegiados tinham a coragem de expor seu sofrimento e tocar aqueles ao seu redor. Hoje todos sofrem em público – e ninguém realmente se importa.

Mas se importar por que né?

Como boas novelas mexicanas, os dramas da vida moderna são requentados – a menina que gosta do menino que não gosta dela; o menino que gosta da menina que não gosta dele. Parece ser essa a premissa principal de todos os roteiros – tão originais que se repetem sem nenhuma alteração. Vale a pena ver de novo? Não, mas exibimos do mesmo jeito.

Exibimos, e nos exibimos, e esperamos atenção. Olhem para mim! Olhem como eu sofro! Não consigo conter minhas lágrimas! Ahhhhhhh!!!!!!

Tédio.

Perdido num oceano de sentimentalismo barato, tudo o que sobra é tédio. Não há beleza, não há novidade, não há catarse. Apenas o desespero pós-moderno da dor de corno.

É meus amigos, escutem bem o que estou lhes falando. A poesia morreu!

Tudo o que resta são intermináveis refrões de bolero...

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Diário de um bêbado juvenil

* Por Aline Antunes

Eu sei, eu sei. Eu sei que nada que eu tomar vai acabar com isso. 
Parei, parei de tomar aquelas merdas de camomila, já que nada muda, deixo as merdas de melissa e todos os capins do mundo pra beber umas garrafas.
Minha rua é repleta de babacas crentes e caretas que me julgam todas as noites de cigarros e cervejas buscadas no posto. Reveso entre os preços mais baratos, ou umas especiais em noites mais quentes, ou noites mais tristes. 
Minha rua é repleta de bostas que dizem: Lá vai o vagabundo, parece um mendigo.
As piranhas da minha rua fazem alguns comentários que pouco me importam. Algumas ainda acham que eu pagaria alguma merreca por aqueles corpos gastos, há boatos de que me achariam intelectual, apesar de bêbado, barbudo e magricelo, bem magricelo.
Pouco importa os merdas da minha rua, as piranhas do prédio ao lado. Aos jovens doentes que só comem merda e se afundam. Posso ser também um deles, mas não disfarço meu sangue sujo com partidas de futebol. Não aguento mais cinco minutos de corrida, e sinto saudades dos cinco gols que dedique para uma menina envolta de cachecol na arquibancada fria daquele clube pobre.
Andei procurando cabelos brancos que justificassem essa casa suja, as latas de cerveja, as garrafas de tantas outras coisas. Nem dentes e bigodes de fumante eu tenho, sou um velho juvenil fodido, pobre e sem graça.
Não entendo mais as filas nas portas de clubes e repúblicas. Não entendo mais os perfumes no dia dos namorados, nem as caronas na volta da missa. Acredita que os namorados ainda se encontram para ver o o padre e comer um lanche? Eu não como nem as piranhas da minha rua, quem dirá um lanche após a missa.
Um jornal me fez uma infeliz ligação as dez da manhã. Os mandei a merda, larguei a música e a política, os mandei a merda e espero que tenham atendido meu pedido.
Nunca fui o tipo do cara que poupou as palavras, muito menos o cara que improvisou palavrões na frente dos pais, não me venha com meias merdas, eu te enfio o caralho e acabo com qualquer filho de papai que me atravesse.
Eu saio de novo, com frio, bermudas, moletom e chinelo. Acabo com meus cigarros e minhas bebidas, e ainda mato algum filha da puta da minha rua, e digo mais... Não como piranhas. 


* Aline é companheira de artistas, músicos, poetas e tantos outros bêbados inveterados, e estudante de jornalismo nas horas vagas. Sonha em um dia fazer sucesso suficiente para poder bancar suas próprias drogas, e pode ser encontrada no blog Mascando Flor, em http://mascandoflor.blogspot.com.br
Apesar dos comentários maldosos, ela jura que a crônica acima não foi inspirada no dono desse endereço, e nem que usou o "magricelo" apenas para despistar.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Parado nas Parada

 
“Ow, passa aqui em casa lá pelas vinte pras uma?”

“Passo! (e lavo também!)”

E foi assim, com duas frases e uma piada bem ruim, que eu e o Machado – vulgo João Pedro – combinamos nossa ida à Parada Gay (na verdade o nome do evento é 5a Parada da Diversidade de Bauru, mas esse nome é muito longo e....grosso....*suspiro*...) no dia seguinte. Minha primeira ida a uma Parada dessas – o que pode ser normal para um jovem hétero de 25 anos mas que, se considerar que esse mesmo jovem já está a cerca de sete pseudo-focado no estudo das artes, e a uns quatro passeando entre um curso e outro da área de Humanas em faculdades públicas, é um absurdo que ainda não tivesse ido em nenhuma, principalmente porque morei dois anos em Campinas. Mas dessa vez não iria me dar ao luxo de ficar em casa dormindo; o domingo estava reservado para a Parada e, mesmo que me desse uma baita preguiça de última hora, teria alguém para ficar tocando a campainha de casa e me fazer sair da cama.

E foi mais ou menos isso que aconteceu no dia seguinte. Depois de cerca de quatro dias seguidos de insônia, dormindo menos de 3 horas por noite, o sábado se mostrou um manancial de tranquilidade e sono pesado, que fez com que eu acordasse a pouco menos de dez minutos do horário combinado. Bem, quem precisa almoçar, não é mesmo? Então, utilizando da habilidade adquirida durante os anos de colocar a calça ao mesmo tempo que escovo os dentes, em menos de cinco minutos já estava pronto para mais um dia de (des)serviço.

Já passava das uma quando a campainha tocou.

“Ae Nóia, malz me atrasar, mas foi meio que proposital. Afinal, todas suas histórias começam com alguém se atrasando, eu não queria ser diferente.”

Um momento histórico na minha curta vida de jornalista folgado; mal comecei a escrever e já tenho um clichê formulado, carimbado, assinado, com firma reconhecida em cartório e aceito pela sociedade.

Mas não era hora de pensar nisso, mas sim de caminhar. Não que o lugar fosse muito longe, afinal a Praça da Paz, local onde ocorreria a concentração antes de seguir para o Parque Vitória Régia, era a cerca de dez minutos de casa a pé. Mas a ideia era chegar cedo, pra poder aproveitar ao máximo as bizarrices que apenas um evento desse tipo pode proporcionar.

“Cara, acredita que é a primeira vez que eu tô indo na Parada?”

“Eu também. Nem quero saber o que minha mãe vai falar disso. Ela acha que se eu for na Parada Gay eu vou acabar virando gay. Tipo, qual o problema? Eu fui na Marcha das Vadias!”

“Mas você é uma vadia.”

“Eu sei, mas minha mãe não precisa saber disso.”

Bem, depois dessa revelação, acho que eu posso excluir “mãe do Machado” da minha lista de possíveis leitores.

A primeira cena estranha do dia já acontece duas quadras antes do local, no quarteirão seguinte ao Ragazzo da Av. Nações Unidas. Parados na esquina, dois perfeitos “maninhos”, com camisa regata, calça dois números maiores, cueca aparecendo e gorrinho de lã, enquanto um sol de quase 30oC queimava qualquer um que se aventurasse a sair de casa naquela tarde de domingo. Um estava de cócoras, mexendo numa bolsa, enquanto o outro se mantinha em pé, parado, meio que tampando a visão de quem passava pela avenida, e olhando apreensivo de um lado para outro. Uma cena que já havia visto muitas vezes nas minhas saídas noturnas: apenas mais dois moleques achando que escrever mlk doida libera já 4:20 e um desenho de folha de maconha ou qualquer coisa do tipo os tornariam “rebeldes” e “másculos”; nada muito diferente de qualquer cidade por onde já passei. O meu espanto com aquela cena se dá mais pelo fato de que nunca vi fazerem algo do tipo num lugar tão movimentado e tão à vista em plena luz do dia. Aquilo sim era rebeldia! Mas então a cena logo se desdobra numa conclusão mais lógica (?), e o camarada que está abaixado tira da bolsa, ao invés de uma lata de spray, um espelho com um estojinho e começa a retocar a maquiagem. O domingo prometia...

Na Praça da Paz, o clima era de festa. Apesar de ainda vazio, dois trios elétricos já animavam as poucas pessoas que chegaram cedo às ruas. A Nações já estava com o trecho que a Parada percorreria interditado, e polícia e bombeiros já estavam de prontidão nos entornos para qualquer emergência. Depois de um volta rápida pelo local, fui fazer o que faço de melhor: achei um canto na sombra de um prédio, encostei no poste e ali fiquei, fazendo cara de mal e observando o movimento.

Aos poucos as pessoas iam chegando. De ônibus, vans, carro, moto, a pé e até mesmo a cavalo, a Praça foi ficando cada vez mais lotada de gente. Bauru, São Manuel, Agudos, Lençóis Paulista, Pirajuí, Botucatu, Rio Claro, Sorocaba, Ribeirão Preto...pessoas vindos de todos os cantos iam preenchendo as ruas, trazendo um colorido e animação nada característicos às sonolentas tardes de domingo bauruense; mas esse é um tipo de informação que parece não ser assim tão claro para todos; como para o rapaz loiro, no auge dos seus vinte anos, com um ar de perdido no rosto que dizia claramente que estava vindo pela primeira vez à cidade, e somente por causa da Parada, que me perguntou onde ficava a Praça da Paz. Educadamente, respondi que estávamos nela, mas fiquei me perguntando: que tipo de pessoa acha que, seja em qualquer cidade do interior paulista (ou talvez até mesmo na capital), ruas fechadas, trios elétricos decorados com bexigas coloridas simbolizando um arco-íris tocando música dançante no talo, pessoas sem camisa ou produzidas no melhor estilo “coadjuvante de Priscila – A Rainha do Deserto” dançando pela rua com latinhas de cerveja na mão e senhoras de meia-idade com camisetas de ONGs distribuindo camisinhas entre os presentes fazem parte da rotina de uma tarde de domingo? Ou realmente fazem, e é eu que preciso sair mais de casa?

Esse fluxo de pensamento é cortado por uma das senhorinhas de meia-idade com camiseta de ONG, que me cutuca e oferece um folheto explicativo sobre os perigos da AIDS, além de uma cartela com 4 camisinhas. Eu pego sem nem bem olhar pra cara da mulher, mais ou menos como sempre faço quando ando pela rua e me oferecem folhetos de dentistas, baladas, condomínios e pessoas que compram ouro. Já estava voltando para a minha posição estática de observação quando ela educadamente me pergunta “precisa de mais?”, ao que eu educadamente respondo (até mesmo esboçando um sorriso!) “não, obrigado”, esperando que ela sorria de volta e siga seu caminho. Mas qual não foi minha surpresa quando ela fechou a cara e soltou um “hmmm...”, cheio de descrença, antes de continuar seu trabalho. O que queria dizer aquele “hmmm...”? Será que ela me achou humilde demais, e duvidou que quatro camisinhas seriam o suficiente pra minha noite (que, ao acabar a noite e minha expectativa de zero ser atingida, bati oficialmente o recorde brasileiro de seca que até então pertencia ao sertão nordestino)? Prefiro acreditar que sim; seria o melhor elogio que recebi no ano.

A tarde se arrasta com o mau humor de velho ranzinza que não almoçou, enquanto a felicidade dos foliões de Agosto preenche as ruas cada vez mais cheias dos entornos da Praça. E logo 50 mil pessoas estavam lá, pulando, gritando, dançando. “Sua biscate! É só ver um bando de homem sarado que já vai correndo pra perto!”; 50 mil pessoas numa alegre manifestação política prontamente ignorada por boa parte dos presentes. E daí que o prefeito estava entregando uma cópia do processo de habilitação para Charles e Cauê, o primeiro casal de mesmo sexo a oficializar a união civil na cidade, criando mais um capítulo vitorioso na longa história de batalhas no país para que a igualdade de direitos para todos seja, realmente, para todos? E daí que a história dessa luta vem de longa data, desde 1969, quando, na cidade de Nova York, gays e lésbicas cansaram de serem espancados e presos por sua opção sexual e resolveram se juntar e mudar a situação, num movimento que ficou conhecido como a “Rebelião de Stonewall”? E daí? Afinal, não é isso o que realmente importa no evento, pelo menos não de acordo com as postagens que movimentam o grupo dele no Facebook. “Quem vai sair namorando da Parada bate aqui!”, “quem vai beijar muito na Parada é nóis”, “quem aqui vai sair da Parada casado?”, e tantas outras mensagens de tamanha ansiedade davam o tom da preparação para o evento na rede social. O fato é que, para muitos que estavam ali, a Parada não era diferente de uma noite de sexta na Labirinthus (prestigiada boate gay na cidade de Bauru), só que de graça e, por isso, bombando mais, tornando um evento de caráter político-revolucionário em apenas mais um de tantos carnavais fora de época, deixando claro o fato de que, mesmo entre as minorias, é apenas uma minoria que se importa, enquanto o resto reclama de perseguição mas não consegue deixar de lado seus anseios egoístas para que as coisas mudem; no fim, a única coisa que realmente diferencia as variadas minorias da imensa e única maioria é a matemática, os números violentamente reais dos muitos que reclamam de tudo e fazem ainda mais barulho quando alguma coisa finalmente muda. Poucos são aqueles que realmente se preocupam, que agem, que geram mudanças. Se sacrificam. E são, invariavelmente, esquecidos; o sentimento de mudança coletiva deposto pela realização do ego daqueles que ignoram que, até bem pouco tempo, nada daquela diversão poderia ser realizada sem que o resultado final fosse chumbo, paulada e cana.
Quantos daqueles 50 mil realmente sabem da importância de um evento como aquele, de como ele tem influência direta em suas vidas que vai além do fato de se ter ou não um namorado?Provavelmente bem poucos; uma meia-dúzia de gato pingado, no máximo. Gostaria de estar errado, mas sou cético demais pra acreditar nisso. Poucos realmente estão ali por um objetivo; o resto está ali apenas pelo circo, massa de manobra e grosso de gente que dá números expressivos ao evento.

Fato que, tristemente, parece ser o praxe em qualquer manifestação política brasileira.

Mas não parece haver espaço para lamentação em meio a tanta música, dança, sorrisos, gritos e pegação que tomam conta da avenida mais movimentada da cidade nos cerca de dois quilômetros do percurso a ser percorrido até o Parque Vitória Régia, onde uma noite de grandes shows encerrará o evento. Claro que, logicamente, não para quem está escrevendo, esse pseudo-jornalista casmurro e mal-humorado que odeio dança e pegação e, principalmente, grandes aglomerações de pessoas. Claramente estava ali por puros princípios profissionais, e por puros princípios profissionais iria acompanhar aquilo até o final. E assim fui até chegar no Parque Vitória Régia, onde a noite seria encerrada com um grande show da banda Teatro Mágico. E, realmente, foi um show mágico. Tão mágico que, só ao ouvir os primeiros acordes, eu magicamente me percebi na frente do portão de casa, ainda recuperando o fôlego enquanto tentava acertar a chave para destravá-lo e, o mais rápido possível, cair na cama.

E logo na cama estava, caído, lutando contra o sono e o cansaço e tentando pensar em como montaria o texto sobre o evento, esperando que meu estômago roncando se satisfizesse com a digestão de informações. Mas, aparentemente, aquele era um prato muito pesado, e nada me vinha à cabeça de como poderia resumir aquilo tudo. Nada além de uma menininha linda de uns dois anos de idade, de cabelo chanelzinho e vestidinho azul cheio de bichinhos, andando e olhando maravilhada, apontando para as pessoas na rua, enquanto a mãe a puxava apressada pela mão, dizendo “sim filha, tem balão, tá tudo lindo”. E fico pensando naquela garotinha, fascinada com toda aquela movimentação, todo aquele colorido, toda aquela novidade e, mesmo sem entender nada do que acontecia, com um sorriso no rosto e brilho no olhar de quem quer fazer parte de tudo aquilo.

Porque tava lindo. E tinha balão.

Mas também tinha muito mais por trás, uma beleza que costuma não penetrar através de nossas muralhas “protetoras” de preconceito, mas que foi percebida por uma menininha que mal havia saído das fraldas. E que me deixa sem saber se devo sentir orgulho; ou vergonha.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Quem ri

Já passava de meia-noite quando as filmagens começaram.

“Em seus lugares....Atenção....!” Ao lado da câmera o diretor se comunicava por gestos...três dedos em riste...dois dedos...somente o indicador....o polegar levantado. Começava a gravação.

“Boa noite! Iéié! Salci-fufu!!” Pulinhos e gracinhas e gestos idiotas e vozinhas irritantes e segue o show.

“O que você faz meu filho?”

“Eu mordo o cotovelo.”

“Você faaaazzzzz....OOOOOO QUEEEEEE?”

“Eu mordo o cotovelo.”

“CORTA! Foi ótimo garoto!”

Sem dizer palavra, ele vira a cara e acende o cigarro. Ainda me encontro parado ao seu lado, sem saber muito bem o que fazer, o diretor, câmeras e contra-regras correndo de um lado para outro. Olho embasbacado, sem saber o que fazer, o que dizer. Ele apenas vira para mim, solta a fumaça do cigarro na minha cara, dá as costas e vai para sua cadeira. Sem dizer palavra.

Um humorista. Sem nenhum humor.

Enquanto se afastava, o diretor do programa veio falar comigo. “Liga não garoto. Ele é assim mesmo” dizia enquanto balançava a cabeça em sinal de negação. Uma coisa era evidente no olhar de todos que estavam ali trabalhando: ninguém gostava do cara.

Já passava de meia-noite e eu ainda estava no motel.

Era num motel que eram feitas a gravação do quadro “Salci Fufu”. Não sabia em que motel estava, nem mesmo em que bairro era, ou até mesmo se havia algum ponto de referência nos arredores. Era um motel, era em São Paulo, e era tudo o que eu sabia.

As pessoas corriam de um lado pro outro, todas ocupadas, enquanto o “astro” continuava sentado em sua cadeira, fumando e gritando com algum pobre coitado que na correria acabava encostando nele. Sua fisionomia sempre séria, uma cara de poucos amigos que dizia “cai fora daqui e sai de perto de mim seu pedaço de merda” de um jeito bem direto. Sorrisos e gracinhas e gentilezas? Aparentemente, apenas o led vermelho das câmeras eram dignos de recebê-los.

“Esse cara é um idiota” diz um velho que estava atrás de mim. “Um verdadeiro babaca. Cigarro? Conhaque? Estou tentando parar de fumar, mas nesse clima é difícil não querer um cigarro.”

Estava frio, e eu também estava parando de fumar. Mas aceitei o conhaque.

“Esse cara é um babaca. Só porque fez um pouquinho de sucesso na TV já se acha melhor que todo mundo. Ele não vai olhar na sua cara se não tiver nenhuma câmera ligada. Primeira vez aqui?”

Digo que sim, enquanto matava a última dose do conhaque. Ele me conta que já era a terceira vez que participava do programa, que praticamente toda a equipe já o conhecia e o tratavam já como se fosse da casa, mas mesmo assim o cara só lhe dirigia palavra quando estavam gravando. Fora das câmeras, nem mesmo um perto de mão.

“Eu ainda venho porque é uma boa propaganda do meu número. A quantidade de shows sempre aumenta depois que apareço na TV.” Ele me mostra então uma serra Makita, daquelas de lâmina circular, usadas para cortar ripas e caibros em madeireiras. Passei o dedo; a lâmina era real. E afiada. “Eu ligo a serra e faço a lâmina parar de rodar usando apenas a língua” disse, orgulhoso. Havia ali também duas garotas e dois rapazes, todos na faixa dos 20 anos e aparência de modelo. Uma delas correu na direção do velho quando esse ia jogar a bituca do cigarro fora. “Espera!” Tomou a bituca das mãos dele, e começou a fumar. “Eu adoro bitucas de cigarro! E aquele restinho quente e amargo que fica nas latinhas de cerveja. Meus amigos falam que eu sou a pessoa ideal pra se chamar pra sair.” E, depois de duas belas tragadas em um toco de filtro praticamente sem tabaco, jogou o cigarro no chão e voltou para a roda da beleza. Não muito tempo depois o diretor foi até onde estavam e apontou para uma moça e um rapaz. “Você! Você! Pro carro. Gravamos em cinco minutos.” O apresentador se levantou e seguiu para a saída do motel, passando ao meu lado sem esboçar qualquer sinal de simpatia. Os dois que ficaram se aproximaram e vieram puxar papo. “Já faz alguns meses que tô nisso. Eles ligam pra agência, a gente vem e finge que tá saindo do motel pra darem o flagra no programa. Mas, cem conto pra entrar num carro e fazer cara de constrangida? Pra mim tá ótimo.”

Pergunto se o humorista não costuma flertar com as meninas que chamam pro programa. “Sim. Mas ele não gosta de pagar pelo serviço. É um babaca.”

De onde estávamos, era possível escutar os barulhos da gravação. As risadas, os gritos, as piadas...toda a falsa alegria que é reservada apenas para os milhões de desconhecidos sentados em seus sofás, alheios a tudo aquilo que acontece por detrás das câmeras. Alheios ao fato de que a pessoa que os faz rir é um babaca, se não de nascença ao menos por maioria de votos.

A noite continua. O show acaba. O diretor traz o documento de direitos de imagem parar ser assinado, e me aponta o carro e o motorista que irá me levar para casa. Enquanto atravesso o estacionamento do motel, quase sou atropelado por um sedan que saía a toda. Era ele. Grito; mando o filho da puta à merda com gosto. As pessoas em volta esboçam um sorriso de cumplicidade; estão satisfeitas por alguém finalmente ter dito aquilo em voz alta.

O motorista abre a porta do carro. “Liga não, ele é assim mesmo. Um tremendo babaca.” Vamos conversando durante todo o caminho, e ele vai me contando detalhes de sua vida; detalhes tão comuns e banais que na manhã seguinte já não me lembrava quais eram. Mas naquele momento eram tão interessantes quanto qualquer outro assunto que pudesse quebrar o silêncio sempre constrangedor de um carro desconhecido.

Em certo momento, perguntei a ele se assistia sempre ao programa. “Não. Não gosto. Acho muito apelativo.”

Talvez o cara lá estivesse certo. Talvez seja esse o segredo.

Estar alheio.

Ninguém gosta daquilo que conhece.

E, pelo menos a impressão que ficou daquele dia, é que ele não faz nenhuma questão de conhecer ninguém. Um verdadeiro babaca filho da puta. Mas com muito mais reconhecimento do que todas as pessoas legais que o rodeavam.

Resta só saber se vale a pena...